O artigo que reproduzo abaixo foi publicado no domingo, 21/06/09 no Jornal do Brasil e é assinado pelo jornalista Marcelo Migliaccio.
Achei interessante, mas acho que o articulista abordou somente o lado mais sórdido da profissão.
Reproduzo o texto para comentários dos demais confrades.
Link para o artigo: http://jblog.com.br/rioacima.php?itemid=13585
E-mail do autor: mm@jb.com.br
A mais antiga e mais triste das profissões
Quase todos os dias, lá pelas seis da manhã, passo de bicicleta pela Rua Prado Júnior, em Copacabana, onde a prostituição barata carioca costuma encerrar mais uma árdua jornada de trabalho. Ao ver aquelas mulheres, algumas ainda em início de carreira, bêbadas ou drogadas, pés encardidos em seus sapatos de salto quebrado, sempre me pergunto como algumas pessoas podem dizer que alguém se prostitui por gosto. Ouvi essa afirmação até mesmo de uma conceituada representante da Ordem dos Advogados do Brasil.
Estávamos, eu e aquela ilustre senhora formada em direito, em plena Vila Mimosa, uma zona de prostituição tradicional do Rio, perto da Praça da Bandeira. A OAB inaugurava lá um centro de apoio às centenas de mulheres que sobrevivem vendendo o corpo por R$ 20 ou R$ 30, dependendo de seus atributos físicos. Fiquei olhando o entra e sai naqueles corredores escuros e imundos, onde caixas de som vomitam músicas altíssimas e homens suados, alcoolizados e maltrapilhos procuram aliviar suas tensões. De calcinha e sutiã, elas se exibiam para os fregueses com um olhar deprimido que maquiagem nenhuma conseguia disfarçar.
Não acho que uma mulher goste de ir para a cama todo dia com até 20 homens que nem conhece, quase sempre sujos e por vezes violentos. Fetiche masoquista? Prefiro acreditar em traumas de infância, ausência de autoestima, miséria extrema e todas as outras sortes de azar capazes de empurrar alguém para esse desesperado fundo de poço. Provocador por natureza, Nelson Rodrigues dizia que quem se prostitui o faz por vocação. Mestre em criar polêmica pela generalização, ele deve ter conquistado sua esposa Elza dando-lhe uma bofetada no rosto, pois dizia também que toda mulher gosta de apanhar e que mineiro só é solidário no câncer.
O único lugar em que uma prostituta pode ser feliz é nas novelas da TV. Ali sim elas são lindas, bem resolvidas, felizes. Na ficção, as “garotas de programa” – belo eufemismo para um ganha-pão degradante – fazem jus ao título de “mulheres de vida fácil”. Na realidade, entretanto, seu cotidiano é dos mais difíceis. Quando minha filha era pequena, e vulnerável às distorções televisivas, tive de explicar-lhe pacientemente que a prostituição não era uma opção de carreira como a medicina, o direito ou o jornalismo. Fui obrigado a ser didático, porque ela estava diante de uma personagem de novela que era universitária e vendia o corpo por opção, felicíssima. Mas, naquele momento, quantas crianças estavam assistindo às mesmas cenas sem a sorte de ter um adulto ao lado que lhes explicasse que aquilo só é possível na cabeça de um autor de novelas sem noção e escravo do Ibope?
A prostituição é a negação da esperança e do romantismo. O sexo vendido põe fim às últimas ilusões de que um homem e uma mulher possam viver uma relação de cumplicidade sedimentada no tesão, na amizade e na afinidade. Não é à toa que a maioria das prostitutas recusa o beijo na boca, passaporte para a paixão verdadeira. E a doença não é só de quem vende o corpo. Também é de quem compra, quase sempre alguém sem autoestima, incapaz de acreditar no amor e com um entendimento enviezado do sexo. Aliás, um grande número de prostitutas, quando não está trabalhando, faz sua opção sexual pelo lesbianismo.
Em seu livro Um ano no tráfico de mulheres, o jornalista investigativo espanhol que usa o pseudônimo de Antonio Salas mergulhou nas máfias que exploram a prostituição na Europa. Em sua convivência com as africanas, sul-americanas e européias do leste que comem o pão que o diabo amassou nas mãos dos cafetões mais cruéis do mundo, o repórter descobriu que elas tinham uma fórmula para tentar esconder sua tristeza crônica dos homens que apareciam a fim de alugar seus corpos: desenhavam um semblante alegre com a maquiagem. Levantavam as sobrancelhas e repuxavam os lábios para cima com o batom tentando simular o sorriso que eram incapazes de oferecer ao cliente. Em um ano naquele submundo, Salas viu várias delas se suicidarem, morrerem de Aids ou de overdose. Dizem que é a mais antiga das profissões; na verdade, é a mais triste de todas.
No sábado passado, eu passava de carro por uma daquelas ruas estreitas do Centro do Rio, perto da Saara, quando um engarrafamento me fez parar próximo a uma menina de shortinho e seios quase à mostra. Seu corpo de criança me espantou. Com um riso drogado no rosto, ela começou a se oferecer para mim, que a olhava fixamente, estupefato. Achando que meu olhar incrédulo era de interesse e minha seriedade consequência do medo de ser preso por corrupção de menores, a garota simplesmente levantou a mão direita e me mostrou a fotocópia de uma carteira de identidade. É o fim dos tempos, pensei. E o trânsito felizmente andou.