Na remota década de 1990, eu namorava uma pernambucana que residia em uma espécie de cortiço nos arredores da Central, na Rua Barão de São Félix, próximo à Camerino. Praticamente, morei com ela naquela área, a ponto de quase ser renegado pela minha família, que se fazia repleta de preconceitos anacrônicos. Foi uma dessas paixões sexuais que me consumiram durante a vida. Posso afirmar a você, afeiçoado Forista, a paixão sexual é mais grave do que o amor romântico. O amor romântico pode causar depressão, mas a paixão sexual nos domina, subjuga todos os nossos sentidos. Recordei-me disso enquanto caminhava em busca de um bordel que eu havia conhecido na mesma rua Barão de São Félix um pouco antes do advento da pandemia, o puteiro foi batizado com um nome interessante: Feitiço do Tempo. Nada mais sugestivo para um estabelecimento que ficava aos pés da Central do Brasil, sob o imponente Big Ben carioca.
Andar pela região da Central é algo semelhante a um safári, uma empreitada cheia de perigos e surpresas. Quando alcancei o endereço da casa, encontrei a porta fechada e um pedaço de papel colado na madeira.
“A Feitiço do Tempo mudou para a Rua 20 de Abri com Rua do Senado, perto do Campo de Santana.”
Não era longe, mas também não ficava próximo de onde eu estava. Eu teria que atravessar aquela selva entre a Central e a rua Frei Caneca. Indiana Jones talvez tivesse desistido, eu não. Fim de tarde, me embrenhei pela rota habitada por camelôs, PMs hostis, guardas municipais entediados e uma multidão que vinha num contrafluxo de ansiedade para embarcar nos trens que a conduzia a lugarejos distantes. Algo muito mais eletrizante do que Frodo tentando chegar a Mordor em o Senhor dos Anéis. Quando alcancei a tal esquina da 20 de Abril com rua do Senado, reconheci o estabelecimento, ele existia antes da Feitiço do Tempo na Barão de São Félix. Deduzi que ocorreu uma fusão ou a casa foi comprada. Para não entrar de cara limpa, fui até um boteco na esquina da Frei Caneca e pedi uma dose de Salinas, a minha favorita. Não fiquei em uma única dose, alcancei a quarta, foi quando a vi, bela, vaporosa, fugidia: a Felicidade. Acredite, Forista sem fé, a Felicidade não é um estado de espírito, é um copo de cachaça.
Anoiteceu. Subi os degraus do sobrado da nova Feitiço do Tempo. No antigo endereço, a decoração se resumia a uns relógios de cartolina colados pela parede, fui esperando as piores cafonices imagináveis. Creia, estimado Forista, quando pisei na pista da boate estava tocando “Minha estranha loucura”, na voz de Alcione. Alguns clientes espalhados, acompanhados de baldes de cerveja, ousavam cantarolar a letra em paralelo com a Marrom. Cheguei a supor que aquele cenário pudesse ser uma reunião de suicidas, foi quando terminou Alcione e entrou Emílio Santiago com “Saigon”. Não foi a primeira vez que ouvi Emílio Santiago num puteiro, saber disso causava mais perplexidade a minha combalida alma libertina. Fiquei com receio que todos sacassem uma arma ao mesmo tempo e dessem um tiro na cabeça, deixando nas mesas do cabaré cartas de despedida do terreno inferno cotidiano. Talvez tivesse sido melhor esse desfecho do que testemunhar o fim de “Saigon” com Emílio Santiago e o começo de “Nada Além de uma Ilusão” com o Nelson Gonçalves. Definitivamente, eu não estava num puteiro, estava num flash back de doentes terminais. Após o impacto musical, passei a observar as mulheres presentes. Poucas mulheres, a maioria com pinta de figurante em filme do Zé do Caixão, nem a cachaça ajudou a flexibilizar as minhas expectativas. Foi quando começou a tocar José Augusto com “Aguenta Coração” que eu avistei uma das mulatas mais colossais que já encontrei na minha precária existência. Alta, com uma bunda imensa e de textura impecável, o rosto bonito, o cabelo cacheado, lábios carnudos, coxas torneadas e magníficas. A mulher era uma escultura em bronze. Ela me deu uma encarada e corri para me aproximar.
– Qual seu nome? – Perguntei.
– Dara. E o seu?
– Dante. Você bebe?
No que ela respondeu que sim, eu já providenciei dois latões de antártica e conversamos um pouco. Fiz a tradicional entrevista, todas as respostas me animaram. Chamei à alcova. Irei compreender se você considerar tudo o que é dito aqui como um exagero retórico, a fé é um privilégio da criatividade e não da dúvida. O que eu posso dizer é que quando a mulher tirou a roupa na minúscula cabine da Feitiço do Tempo, o tempo parou. O corpo da mulata era um oceano, olhar para aquela vagina depilada e dotada de um clitóris em relevo foi como ver o mar pela primeira vez. O cheiro de mofo do quarto ganhou status de aroma de maresia. Dara não me deu espaço para respirar, caiu em mim num boquete rapel que me causava a sensação ininterrupta de estar despencando num abismo de deleites. Depois disse que me daria um banho de gata e saiu me lambendo todo até me entregar a boca num beijo de cinema. A garota não era só corpo, era língua, saliva, mel uterino. Descomunal. Uma loucura. Incrédulo Forista, quando Dara ficou de quatro, perdi o fôlego olhando para aquele rabo que só pode ser medido em hectares. Respirei fundo e meti. Que delícia. A menina gemia como gata no cio, rebolava, empinava-se como se fosse quebrar a coluna cervical. Gozei. Gozei horrores. Gozei parte da alma naquele muquifo perdido entre o Campo de Santana e a Cruz Vermelha. Foi uma daquelas gozadas que parecem uma pequena morte. Estirei-me nocauteado naquele colchão recheado de ácaros.
Paguei a conta e não esperei a menina retornar ao salão. Quando comecei a descer as escadas, ouvi a voz de Dusek mandando "Nostradamus"...
“O dia ficou noite
O Sol foi pro Além
Eu preciso de alguém...”
Ganhei as ruas, onde qualquer aventura é possível...