Lula decide não extraditar o italiano Cesare Battisti

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Re: Lula decide não extraditar o italiano Cesare Battisti

#91 Mensagem por Carnage » 30 Jan 2011, 23:05

http://www.cartacapital.com.br/politica/a-injustica-doi
A injustiça dói

Reflexões sobre o último capítulo do caso Battisti. Talvez não seja o derradeiro

Mino Carta


Ao negar a extradição de Cesare Battisti, Lula conseguiu reunir a direita italiana à sombra de uma única bandeira, como se deu em manifestações de protesto encenadas em Roma diante da embaixada do Brasil e em Milão em frente ao consulado. Os direitistas viviam desavenças de diversos matizes, a ponto de pôr em xeque a maioria parlamentar de Silvio Berlusconi, agora marcham juntos, contra aquela que consideram afronta à nação e à pátria.

Enredo penoso, nutrido em grande parte por ignorância, incompreensão, hipocrisia, recalques e retórica. Há “patriotas”, e ponho a palavra entre aspas de caso pensado, dos dois lados. Dar guarida a um delinquente comum em nome da soberania nacional é patético. Quanto à afronta que na Itália inflama ânimos reacionários, existe quando se pretende que Battisti, caso extraditado, sofreria perseguição política e correria risco físico. Ou seja, o Estado italiano, democrático e de Direito, não tem condições de garantir a segurança dos seus presos. Ora, em relação ao ex-terrorista só haveria uma certeza: devolvido à Itália, iria para a cadeia. Certamente, com a pena sensivelmente reduzida.

Escreve Sergio Romano, historiador e ex-diplomata de valor: “Gostaria de acreditar que Lula julga a Itália com os óculos de sua experiência brasileira”. Aprecio a definição, mas dia 31 de dezembro o presidente agiu ao sabor da sua índole e a alegada soberania de fato é a visão de um grupelho de correligionários mais ou menos milenaristas, e nem todos de boa-fé. Lula, que diz nunca ter sido de esquerda, quis agradar a um grupelho de fanáticos do Apocalipse distante da compreensão do papel que hoje cabe a um verdadeiro esquerdista em um país ainda humilhado por graves diferenças sociais e por uma lei da anistia imposta pela ditadura.

O caso nasce do erro clamoroso de Tarso Genro, à época ministro da Justiça, ao enxergar em Battisti um foragido político, com a pronta adesão de quantos, poucos felizmente, mas influentes, não percebem a diferença entre quem pega em armas para enfrentar a ditadura e quem as pega com o propósito declarado de derrubar um Estado Democrático de Direito. Sustentava então o professor Dalmo Dallari que a Itália dos anos de chumbo estava entregue a um governo de extrema-direita, para espanto até mesmo daqueles que têm conhecimento apenas superficial da história recente. Governava a península uma coligação de centro-esquerda, o presidente da República era o socialista Sandro Pertini e dois líderes do porte de Aldo Moro, democrata­ cristão, e Enrico Berlinguer, comunista, preparavam-se a selar um grande entendimento dito compromesso storico.

A este gênero de ignorância juntavam-se a manifesta intenção de pôr em julgamento as sentenças dos tribunais italianos, cominadas em três instâncias à revelia, pois Battisti estava foragido. Ouvi do próprio Genro a afirmação de que, em outras circunstâncias, o ex-terrorista teria sido absolvido. Compete ao ministro da Justiça do Brasil discutir as decisões das cortes de um Estado Democrático de Direito? Na Itália, a Justiça é até hoje um poder independente e não hesita em causar notáveis dissabores ao premier Berlusconi, este sim tão diferente dos líderes da década de 70. E foi em 1978 que Moro foi assassinado pelas Brigadas Vermelhas em um cenário de terrorismo até o último sangue em que se infiltravam os serviços secretos das potências de então, a começar pelos EUA, tão escassamente inclinados a aceitar a ideia do compromisso histórico.

Triste episódio, o caso Battisti, qualquer que venha a ser seu desfecho. A Itália mantém polpudos interesses no Brasil, onde suas multinacionais faturam alto. E o nosso país é um emergente de futuro certo, aposta de olhos fechados. Donde a previsão de que a questão se componha sem maiores sequelas é possível, se não provável. Sobraria uma inevitável ponderação: a injustiça dói.

Claudio Magris, que concorreu ao Nobel com Doris Lessing em 2007, diz em um artigo publicado pelo Corriere della Sera: “O presidente Lula, que continuaremos a admirar pela inteligência e pela coragem com que enfrentou tantos problemas cruciais do seu país, manchou o fim do seu excelente mandato com ofensas gratuitas à Itália e com a proteção oferecida ao pluriassassino Cesare Battisti”. Magris professa ideais de esquerda.

Mino Carta


http://www.cartacapital.com.br/politica ... criptonita
A pedra é criptonita
Mino Carta 14 de janeiro de 2011 às 9:34h

Por que a ignorância e a arrogância dos defensores de Battisti não têm remédio


Um amigo fraterno, italiano e ex-militante muito ativo do Partido Comunista, depois do PD nascido na extinção do PCI, propõe o enredo de uma ficção política. Grupos armados de improviso infestam o Brasil do Oiapoque ao Chuí e assassinam políticos, magistrados, líderes sindicais e outras personalidades, e mesmo joalheiros e açougueiros, além de atirar nas pernas de inocentes de vários calibres, ou seja, os “pernalizam”. Em comunicados delirantes dizem agir para a redenção do proletariado e do campesinato, e contra Lula e Dilma, ambos governantes tíbios meramente assistencialistas e submissos às regras do capitalismo. Que aconteceria no País, pergunta o amigo com candura, se a ficção se tornasse realidade? O Estado brasileiro teria de reagir com toda a força possível e os eversores capturados seriam julgados e condenados a penas severíssimas.

O que espanta no caso Battisti é a ignorância abissal de quem ainda não entendeu a diferença entre quem pega em armas com o propósito de derrubar um Estado Democrático de Direito e quem se dispõe a lutar até o último sangue contra a ditadura. Em suma, o terrorista Battisti, terrorista, insisto, e sublinho, não se compara, por exemplo, a Dilma Rousseff ou José Dirceu, combatentes de uma guerra justa.

Semelhança entre estes e guerrilheiros italianos de outros tempos existe sim, é com os partigiani de uma bela página da história da Península que enfrentaram, entre fins de 1943 e meados de 1945, a ditadura mussoliniana da chamada República de Saló e as tropas nazistas que a apoiavam. Até Mussolini foi fuzilado. Militavam ali comunistas e socialistas, que usavam uma echarpe vermelha em volta do pescoço, e católicos e liberais, cuja echarpe era azul. Foi neste tempo que meu pai foi preso pelos fascistas e condenado em agosto de 1944, à revelia porque conseguira fugir do cárcere de Gênova. Meu pai não era guerrilheiro, jornalista apenas, e liberal de antiga cepa, culpado, porém, como opositor do fascismo.

Bem conheço essa história por tê-la vivido e me dói verificar que, ao sabor da ignorância dos fatos e de uma patriotada tão tola quanto desastrada, a injustiça será cometida. Segundo um ditado da antiga Roma, a repetição dos conceitos servia ao convencimento dos incrédulos. No Brasil deste preciso momento, no caso Battisti repetir é tempo irremediavelmente perdido. A pedra deve ser criptonita, e eu não sou água mole.

De bom grado não me levo a sério, mas há figuras importantes envolvidas na tentativa de explicar em proveito da compreensão dos nossos pensadores, a começar pelo presidente da Itália, Giorgio Napolitano, e pelo mais importante líder da esquerda italiana, Massimo D’Alema, velho amigo do Brasil e do PT, ex-primeiro-ministro e ex-chanceler no último governo Prodi, notável na pasta, entre outros méritos, como conhecedor profundo da situação da América Latina. Diz ele: “Lula cometeu um grave erro. Sinto muito, pois Lula é um grande líder e foi um grande presidente”.

D’Alema era estrela nascente exatamente durante os anos de chumbo e é um daqueles que melhor sabem hoje que os herdeiros da Resistência partigiana, decisiva na reconstrução democrática da Península no pós-Guerra, foram as primeiras vítimas do terrorismo vermelho e negro, a contar com a adesão até de um ladrãozinho da periferia romana. Adiantam, contudo, pronunciamentos tão claros e significativos? Coisa alguma, em um país que não respeita o tratado selado com a Itália em 1998 e onde professores de direito ditos eminentes não conhecem a história recente da Itália e se atribuem a extraordinária prerrogativa de julgar a Justiça de um Estado Democrático de Direito.

E não adianta mesmo. Na entrevista a um jornal italiano o atual governador Tarso Genro repete implacavelmente o mesmo arrazoado que concebeu para oferecer asilo a Battisti. Nem se fale de José Dirceu. No seu blog sustenta que as críticas da mídia nativa à negativa de Lula tendem a colocar no mesmo balaio do terrorismo Battisti e os nossos guerrilheiros. Diga-se que, em meados do ano passado, Dirceu me ofereceu um almoço e com gentileza comovedora abriu uma garrafa de Pera Manca, tinto português capaz de ser ao mesmo tempo robusto e elegante. Tocou-me a mesura, donde me animei a propor um debate sobre a questão, a ser gravado e publicado na íntegra em CartaCapital, com direito à leitura do texto final antes da publicação e de retocá-lo a seu talante. Declarou-se despreparado e recusou polidamente.

Está claro que CartaCapital conhece à perfeição o peso e a razão das críticas da mídia nativa, hipócrita e golpista. Entende, porém, que a dita esquerda que defende Battisti não se porta de forma muito diferente, no seu empenho em enganar os desinformados. Desde que não haja boa-fé, se houver terá de vingar a tese da ignorância crassa e do primarismo absoluto.

No mais, cabe-me informar à presidenta que CartaCapital justificará, a esta penosa altura, qualquer decisão sua se o assunto voltar ao Planalto. Mesmo porque acreditamos que Lula, em lugar de aliviá-la de um problema, criou outro de bom tamanho.

Mino Carta

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Mr.Caos
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Re: Lula decide não extraditar o italiano Cesare Battisti

#92 Mensagem por Mr.Caos » 31 Jan 2011, 18:56

Democracia Analfabeta

A REGIAO DE VENETO CENSURA ESCRITORES QUE ASSINARAM MANIFESTO EM PROL DE CESARE BATTISTI

Carlos A. Lungarzo
Anistia Internacional

Eu sou de um país onde a palavra dada é sempre negociável em função das ofertas do mercado. [...] Entre nós, a palavra dada serve para elevar o preço da traição. Somos um país mercador que faz comércio com tudo, desde o patrimônio artístico até os presos políticos.
Erri De Luca (escritor italiano): A palavra dada é negociável? in Vargas, F.: La Véritè sur Cesare Battisti (v. Hamy, 2004)

Democracia, na linguagem política moderna, já não significa o mesmo que a palavra que lhe deu origem na antiga Grécia (demos kratia = poder do povo), assim como a química tampouco continua sendo o estudo das substâncias vindas do Egito. O mundo muda, e conceitos tradicionais adquiriram significados mais específicos.

Atualmente, são poucos os países que não se consideram democráticos. Desde o invadido e esfacelado Iraque, atacado por imperialismos e terrorismos de todos os estilos, até Canadá, Estados Unidos, repúblicas africanas, etc. quase tudo é democrático. Afinal, “democracia” em sentido formal, significa eleições pluri-partidárias, periódicas, com voto universal para os adultos. Em algumas democracias, como no Brasil, a Constituição faz questão de salientar que fica “eliminada” a censura, mas isso não é o entendimento de todos os governos democráticos.

Aliás, uma democracia pode existir com poucos livros, poucos escritos, e poucos escritores. É o que descobriram em 15 de janeiro umas sumidades intelectuais da que fora, há muito tempo, a iluminada e liberal República de Veneza.

Novas Fogueiras

Em 2004, quando, em função de um pacto preexistente entre a França e a Itália, implementado pelo ministro neofascista Castelli, o governo Chirac decidiu mergulhar na lama a honra do povo francês traindo as promessas de Mitterrand aos refugiados, uma onda de protestos agitou a França e uma menor, restrita a intelectuais, também a Itália. Na península, as reações se refletiram numa lista de escritores, artistas e outros ilustrados que criticavam a extradição de Battisti pedida pela Itália, e proclamavam sua solidariedade com o perseguido.

No dia 12 de fevereiro de 2004, foi publicado um abaixo assinado no jornal La Repubblica, de centro-esquerda moderada, com uma lista de mais de 1500 nomes de italianos que pediam a manutenção de Cesare na França e repudiavam o pedido de extradição. A revista Carmilla Online publicou a lista dos primeiros 1500 neste site http://www.carmillaonline.com/nonono/ ... atari.html . Entre aqueles assinantes havia numerosos intelectuais, especialmente escritores, jornalistas e comunicadores, mas também cinegrafistas, artistas e pesquisadores.

Aquelas adesões dos setores esclarecidos, justamente no país onde Cesare era perseguido, enfureceu os linchadores, que sempre consideraram todos aqueles intelectuais, uns “hereges” arrogantes e desafiadores, que questionavam um valor sacralizado: o direito à vingança. Mas foi apenas na 3ª. semana de janeiro de 2011, depois de conhecer-se a decisão do Brasil de reter Battisti, que os mais termocefálicos pensaram aplicar uma vendetta massiva sobre aqueles intelectuais.

Como nas épocas da Inquisição, os linchadores entenderam que não seria possível queimar fisicamente todos aqueles escritores, mas, então, era possível queimá-los simbolicamente, como fazia às vezes o Santo Ofício quando não conseguia capturar os hereges. Naqueles tempos, o método era jogar os retratos dos perseguidos nas fogueiras. Para as autoridades culturais da Veneza atual, a solução é estigmatizar os livros dos escritores que assinaram aquela lista. (Vide http://corrieredelveneto.corriere.it/ve ... 1/15-gen... )

Em 15 de janeiro foi lançada a iniciativa de um boicote contra as obras dos escritores que assinaram a lista em favor de Cesare, 7 anos antes. O autor da proposta foi um conselheiro do município de Martellago, no Veneto, certo Paride Costa, membro do partido de direita Povo della Libertà, e foi entusiastamente adotada pelo assessor de Cultura de toda a província de Veneza, Raffaele Speranzon. Ele disse que proporá a todos os assessores de cultura da região, as seguintes medidas:

1. Os escritores que assinaram a lista de 2004 devem ser declarados pessoas não gratas.

2. A retirada de todos seus livros das bibliotecas provinciais.

3. Esses escritores não poderão ser convidados a eventos culturais nem palestras nem seus livros poderão ser comprados por órgãos públicos.

4. Proibira-se às escolas usar qualquer texto deles nas aulas.

Speranzon reconhece que ele não possui poder de coerção sobre todos os municípios, mas os que não obedecerem, deverão arcar com as conseqüências. (Quais?)

Estas medidas não pretendem valer apenas para Veneza. O ilustrado assessor de cultura quer que sejam adotadas em todo o Veneto. Se ele tiver sucesso, mais de 4 milhões de habitantes estarão vivendo como 70 anos antes, o que talvez não seja uma mudança tão radical. Não se estima, ainda, se ele pretende estender a iniciativa a todo o país.

É bom que Speranzon tenha feito esta advertência, para que fiquemos bem informados: “Não fazemos isto por espírito de vingança”. Ainda bem. Muitos já estávamos pensando erradamente!

Entre os punidos está o ganhador do prêmio Strega, o maior prêmio literário da Itália, Tiziano Scarpa (n. 1963), que o recebeu em 2009, por seu notável livro Stabat Mater, uma deliciosa ambientação barroca de um romance intimista, onde uma órfã internada com as freiras conhece o famoso compositor Antonio Vivaldi.

Também está no Index o grande pensador Giorgio Agamben, um dos que mantêm algumas faíscas acessas naquela névoa que invadiu a outrora riquíssima cultura italiana. Mas há muitos outros da primeira linha do pensamento peninsular atual: Massimo Carlotto, Valerio Evangelisti, Cacucci, Dazieri, Genna, Loredana Lipperini, De Michele, Nanni Balestrini, Vauro, Lello Voce, Raimo, Philopat, Moresco, Quadruppani e muitos outros. Não falta, obviamente, o engenhoso e pitoresco conjunto Wu Ming (os sem nome ou também, os vários nomes, de acordo com o tom do mandarim usado), um quinteto divertidíssimo de escritores “anônimos” que assinam com seus nomes verdadeiros, e que revolucionaram o estilo literário e comportamental dos escritores. Deles, o Wu Ming 1, Roberto Bui, escreveu também um longo artigo em defesa de Battisti, que foi publicado por Fred Vargas.

Paride Costa, o conselheiro que promoveu a ideia abraçada por Speranzon não quer ser um intolerante ou um fanático. Para mostrar sua excepcional abertura de espírito, ele adverte que não quer atacar os autores que se distanciaram da lista de apóio a Cesare. Ou seja, se alguém assinou a lista, mas depois se afastou dela, como fez Roberto Saviano, autor de um Best-seller sobre a Camorra, pode ser “perdoado”. Costa, como bom cristão, é sensível ao arrependimento e à humilhação alheia.

Aliás, os defensores da livre opinião não devem desesperar-se. Eles ficarão sem ler algo como 200 grandes escritores, mas poderão ler várias vezes Minha Luta, de Aldolf Hitler, os as memórias de Mussolini, que não serão retirados das prateleiras.

A medida mereceu a rápida adesão de Franco Maccari, líder do sindicato nacional de policiais (COISP), uma das corporações trabalhistas mais poderosas da Europa. Para quem não lembra o artigo em que falei dele, Maccari é aquele que lançou, como bravata bizarra, a idéia de declarar guerra ao Brasil. Maccari vai mais longe que Costa e Speranzon, e propõe que todos os cidadãos colaborem, e nenhum deles compre livros de nenhum daqueles monstruosos hereges. Maccari é um homem de caráter e não fica só nesse conselho. Propõe reuniões em todos os municípios para informar o público e advertir ao Brasil que Itália não se deixa assustar. Ele considera injusto que Battisti seja chamado de “terrorista”. Mas, é pelos motivos opostos aos nossos. Ele acha que é um simples assassino. Não sei se foi involuntário, mas Maccari teve um ato falho: parece que o termo “terrorista” é elogioso para ele, o que não deveria surpreender. Lamentavelmente, a polícia italiana pratica terrorismo de estado e já participou do terrorismo das strage (Senão, que o diga Vinciguerra, o único fascista que ainda paga pena de prisão). (Vide http://www.gazzettino.it/articolo_app.p ... pl=&desc... )

Para não demonstrar parcialidade, os novos inquisidores também colocarão no Index os escritores franceses que assinaram aquela lista, ou mesmo os que assinaram uma similar na França. Como disse o Dante: Guai a voi, anime prave; non isperati mai veder lo cielo!. Como se percebe, os inquisidores estão assanhados: ninguém se salva. Os pais de adolescentes devem tirar da cabeça a idéia de presentear seus filhos com a versão italiana do divertido Lucky Luke contro Pinkerton, de Daniel Pennac.

Pânico dos Liberais

Liberais de centro e até de direita entraram em paranoia, como o prova o assessor de cultura Cosimo Moretti, do Partito Democratico. Claro que ele quer extraditar Battisti, mas chama a esta medida “um delírio” e disse que nos devolverá à Idade Média. A reacionária revista sensacionalista Panorama, também abre espaço para muitos liberais. Por que?

A proposta de Costa, Speranzon e outros mostra o lado realmente inquisitorial e bárbaro da grande vendetta contra Battisti.

Também justifica as afirmações do Brasil de que Battisti corre sérios riscos na Itália.

Como fez notar Massimo Carlotto, ele próprio colocado na lista negra, muitas destas reações “liberais” críticas são fingidas. No fundo, eles tentam se vingar dos escritores progressistas, mas divergem apenas desses métodos brutais, que os coloca em ridículo na frente de quase toda Europa. Segundo o escritor (vide http://www.carmillaonline.com/nonono/ ... 03757.html ), os escritores proscritos já estão desaparecendo das prateleiras.

Podemos imaginar os linchadores mais lúcidos na intimidade, dizendo: “Accidenti! Agora que precisamos convencer o Brasil de que nossa sociedade é civilizada, estes fascistas idiotas nos metem num novo problema”.

O pior para os linchadores foi que ninguém se retratou. Vários escritores que não tinham assinado, disseram que eles estavam dispostos a qualquer risco para combater o que chamaram “censura imbecil e fascista”. Os que tinham assinado, só aumentaram sua indignação.

A Causa do Conflito

Observemos bem a natureza desta iniciativa. Os inquisidores venezianos não propõem desterrar livros que podem “fazer a cabeça” do povo com idéias subversivas ou marxistas. Aliás, de todos estes autores, apenas alguns escrevem assuntos realmente ideológicos. A maioria escreve romances de diverso tipo, thrillers policiais, literatura de recriação, e até textos para crianças.

Esta censura não se propõe apenas impedir a propaganda de Battisti. Ela vai além: quer punir através de suas obras aqueles que se manifestaram apoiando Cesare. Se eles fossem, em vez de escritores, fabricantes de macarrão, os inquisidores exigiriam que ninguém coma pasta de sua marca.

De todos os atos descabidos que nos últimos anos foram implementados contra Battisti, este é o mais ilustrativo. Trata-se de uma vingança aberta, sem maquiagem.

Se todos aqueles hereges morassem num pequeno feudo controlado pela Cosa Nostra, seria mais fácil para os inquisidores: poderiam, talvez, matar vários deles. Mas, como na Veneza isso não é tão fácil, tenta-se matar o pensamento.

Imaginamos que a maioria dos magistrados não apoiará esta idéia, mas até o momento de escrever esta matéria (20/01/2011, 15:11) não encontramos nenhuma manifestação na mídia Italiana. Se eles criticam, poderemos ter uma pista de que a justiça italiana não é cúmplice deste rogo medievale.

Entretanto, não pensamos que Cesare Battisti esteja em risco por causa dos juízes. Eles já fizeram seu trabalho. O verdadeiro risco de Cesare são os milhares de funcionários e dignitários sedentos de sangue que sugerem medidas como esta ou outras. Os que, aqui, no Brasil, tem o extremo cinismo de dizer que Battisti não corre perigo na Itália, deveriam ter, pelo menos uma vez, um mínimo de decência e dizer: “Se ele for linchado, merece!”. Isso não faria nossos inquisidores mais humanos, mas evitaria um trabalho duplo: lidar com sua perversidade e com sua hipocrisia ao mesmo tempo.

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Mr.Caos
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Re: Lula decide não extraditar o italiano Cesare Battisti

#93 Mensagem por Mr.Caos » 31 Jan 2011, 18:59

Uma carta de Cesare Battisti: A história não se julga nos tribunais, ela será sempre matéria de historiadores

Caros companheiros(as), há meia hora, nesta terça, antes da visita dos companheiros decidi escrever um recado para todos vocês que participam dessa luta em meu favor. Resultado: pouco tempo para escrever algo vigoroso; cabeça cheia de insultos grifados de uma cela a outra; e o espírito fica longe: palavras que não se deixam prender e, enfim, o recado é para já.

Tem-se dito e escrito tanto sobre esse “Caso Battisti” que já não sei mais distinguir direitinho o eu do outro. Aquele Battisti surgido do nada e jogado pela mídia como pasto para gado. Mas essas são só palavras, vazias como as cabeças desses mercenários que costumam facilmente trocar a pistola com a caneta e até uma cadeira no Congresso. No entanto, os companheiros/as de luta, assim, todos/as aqueles que ainda sabem ler atrás da “notícia”, vocês sabem quem é quem, qual a minha história e também a manipulação descarada que está servido a interesses políticos e pessoais, de carreira e de mercado: em 2004, depois de 14 anos de asilo, a França de Sarkozi me vendeu à Itália de Berlusconi em troca do trem-bala [comboio de grande velocidade] de Lyon-Turin. Desde o ano 2000 estamos assistindo à impiedosa tentativa do estado italiano enterrar definitivamente a tragédia dos anos de chumbo, jogando na prisão e levando à morte o bode expiatório Cesare Batisti.

Entre centenas de refugiados dos anos 70 que se encontram em vários países do mundo, não fui escolhido eu por acaso nem pela importância do papel de militante, mas pela imagem pública que eu tinha enquanto escritor, o que me dava o acesso à grande mídia para denunciar os crimes de Estado naquela época e os atuais…

Eis que de repente há tantas coisas por dizer que eu não sei mais me orientar! Pela rua, claro, só a rua vai me dirigir até vocês. Na rua comecei mil anos atrás e nela continuo; nela mesmo onde será praticamente impossível evitar-nos. E então falo, falo de homens e de mulheres, de companheiros(as), de sonhos e de Estados (esses também ficam no caminho, de ladinho). Falo sobre minha vida que não conheceu hinos, nem infância, mas que em troco tive o mundo todo para brincar com outra música que não essas fanfarras de botas.

Contudo, parece quase que que estou falando como homem livre, não é? Porém, estou preso. Vai fazer quatro anos no próximo março. Ainda assim, essas cariátides da reação não conseguiram me pegar em tempo. Quase três anos se passaram (antes de eu ser preso), de rua a outra, nesse tempo conheci o país, cheirei o povo, me misturei a ele, ao ponto de quase esquecer o hálito fedorento dos cães de caça. Ainda estou preso, está certo, mas isso não me impede de sentir lá fora vossos corações batendo pela liberdade.

Talvez eu tinha que falar-lhes algo mais sobre esta perseguição sem fim, dar-lhes algumas dicas de como driblar a matilha. Mas acabei por pintar-lhes um abraço sincero e libertário. É o que conta.

Cesare Battisti, 18 de janeiro de 2011

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Mr.Caos
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Re: Lula decide não extraditar o italiano Cesare Battisti

#94 Mensagem por Mr.Caos » 31 Jan 2011, 19:02

“Caso” Battisti: eis por que estamos com Lula

Um grupo de intelectuais italianos radicados na França lançou na última terça-feira (4) documento apoiando a decisão do Brasil de não extraditar o ex-ativista Cesare Battisti e desmascarando os argumentos do governo direitista de Sílvio Berlusconi.

Somos um certo número de italianos residentes no exterior, onde trabalhamos no ensino e na pesquisa, estupefatos com a postura da mídia e da “opinião pública” do nosso país diante do “caso” Cesare Battisti. A jornalista Anais Ginori, em La Reppublica de 2 de janeiro, parece por exemplo estigmatizar o “júbilo dos intelectuais franceses” (arbitrariamente identificados com Bernard-Henri Lévy e Fred Vargas) diante da recusa de extraditar Battisti, decidida pela presidente brasileiro Lula da Silva. Quanto à força de oposição ao atual governo Berlusconi, estamos particularmente surpresos ao apreender como alguns parlamentares do PD se recordam repentinamente de sua matriz ideológica, apelando inesperadamente ao presidente Lula enquanto “homem de esquerda”, com o único propósito de questionar seu gesto de precaução em relação aos direitos de um preso.

Contrariamente ao que se tem escrito e dito, nós acreditamos que a decisão de competência do presidente brasileiro não é resultado de um juízo superficial e apressado sobre nosso país, mas resultado de uma avaliação aprofundada e pertinente da situação política e judiciária italiana. O Brasil é o último de uma longa lista de países, após Grécia, Suíça, França, Grã Bretanha, Canadá, Argentina, Nicarágua, que se recusaram a colaborar com a justiça italiana. Será um acaso? Na verdade, a fúria do governo italiano em pedir a extradição de Battisti se configura hoje mais como a vontade de exorcizar um inimigo vencido (quase uma obsessão de eliminar), do que como uma sóbria, autêntica exigência de justiça. Surpreendente, em particular, uma tal perseverança “justiceira” da parte de um executivo tragicamente incapaz de lançar luz sobre a carnificina dos anos sessenta e setenta, unanimimente considerada pelos historiadores como a “mãe” de todo o terrorismo. Recordemos como em seu favor o “zero responsáveis” sobre o atentado da Praça Fontana em Milão e da Praça de Loggia em Brescia tem sido permanentemente consagrado, respectivamente pela Suprema Corte em 3 de maio de 2005 e, mais recentemente, pela Corte de Inquérito em 16 de novembro de 2010. Ou uma magistratura severa que garante a imparcialidade do Estado, como sugerido recentemente por Alberto Asor Rosa[1] em uma de suas freqüentes colunas no Manifesto! Uma tal diferença de tratamento em investigar a responsabilidade, que não tem como não saltar aos olhos da opinião pública internacional, não é apenas o efeito de uma permanência endêmica, na Itália, de uma classe corrupta no governo ou mesmo para-fascista (de Alemanno, ex-membro de esquadra fascista, prefeito de Roma, ao insolente ex-MSI [2] La Russa, Ministro da Defesa). Não, essa tara originária é antes de tudo fruto da política de emergência que tem sido o leitmotiv da política italiana do pós-guerra e na qual a esquerda se deixa seduzir, até a morte rápida como uma fatalidade, quando não tranqüilamente acomodada, por uma consolidada incapacidade de propor uma alternativa global a uma ordem capitalista tardia.

Essa “emergência” prolongada foi a base da participação de setores inteiros do Estado nas atrocidades criminais que ensangüentaram o passado recente da história nacional, impedindo a emancipação social e debilitando antropologicamente, molecularmente, a cotidianidade. Fato altamente significativo, a classe política atualmente no comando na Itália é herdeira direta desses poderes um dia ocultos (“Piano solo”, “Gládio”, “P2” [3]), mas agora definitivamente desembaraçada e bem decidida a ocupar o terreno político e midiático, para defender seu próprio interesse vital ameaçado: aquele de uma vida reduzida a uma pura, absurda axiomática empresarial. A “anomalia italiana” não é senão o resultado dessa sistemática subordinação dos órgãos garantidores do direito à “exceção” do comando político e ao seu diktat selvagem sobre a consciência. Basta pensar que um dos mais altos postos da república, abaixo apenas do Presidente Giorgio Napolitano, é hoje confiado a um “magnata” da mídia cuja “acumulação primitiva”, no curso dos anos sessenta e setenta, tem sido caracterizada por aqueles que a definiram eufemisticamente como “ilegalmente comprovada”.

Portanto, acreditamos que o forte envolvimento do Estado italiano na guerra civil “guerreada” que teve lugar na Itália nos anos setenta, paralelamente ao conflito (não somente e nem sempre “frio”) encenado pelos dois blocos internacionais opostos e parcialmente especulares, torna impossível desatar o nó histórico emerso com o “caso” Battisti no quadro das instituições e das leis atualmente vigentes na Itália. Somente uma medida que reconheça a enorme responsabilidade do Estado na degeneração do embate político entre os anos sessenta e oitenta, e não a grotesca exibição de orgulho nacional a que estamos assistindo nesses dias, pode permitir à Itália sair do “déficit” de credibilidade internacional que danifica fatalmente sua imagem. Enquanto tal medida não se concretizar, justiça não poderá ser feita e o pedido de extradição de ex-terroristas aparecerá fatalmente como atalhos vexatórios, quando não como tentativas mentirosas de reescrever a história.

Saverio ANSALDI – Università di Montpellier III
Carlo ARCURI – Università di Amiens
Giorgio PASSERONE – Università di Lille III
Luca SALZA – Università di Lille III.

Cesare BATTISTI*

Notas
[1] Alberto Asor Rosa é um intelectual conhecido na esquerda italiana desde os anos sessenta. No final dos anos setenta, como quadro do Partido Comunista Italiano, defendia posições teóricas que buscavam se contrapor ao protagonismo nas lutas sociais dos sujeitos do qual Cesare Battisti fazia parte. Vide sua teoria da “primeira” e “segunda sociedade”. (N. do T.)
[2] Partido formado no pós-guerra por aderentes do fascismo. Foi na prática o partido fascista italiano até sua dissolução na Aliança Nacional em 1995. (N. do T.).
[3] Gladio era o nome de uma operação clandestina da OTAN no pós-guerra, com objetivos anti-comunistas. Entre suas ações estavam atentados com chamada “bandeira trocada”. P2 era uma loja maçônica, envolvida com a Operação Gladio, com a máfia e em escândalos financeiros. O ‘Piano solo’ foi um plano no qual a Gladio esteve envolvida e que conseguiu tirar do governo italiano os ministros socialistas, em 1964. (N. do T.).

http://uninomade.org/caso-battisti-ecco ... -con-lula/

*Após a leitura desta Carta, Cesare Battisti subscreveu-a, em 18 de janeiro de 2011, aprovando totalmente o conteúdo do texto e a síntese dos eventos ocorridos nos anos 70 na Itália.

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Carnage
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Re: Lula decide não extraditar o italiano Cesare Battisti

#95 Mensagem por Carnage » 02 Fev 2011, 21:49

http://www.cartacapital.com.br/destaque ... -historias
O fantasma fardado e outras histórias
Mino Carta 28 de janeiro de 2011 às 9:21h


A presidenta Dilma Rousseff parte dia 31 para uma visita a Buenos Aires e está previsto seu encontro com as “mães da Plaza de Mayo”, as valentes cidadãs argentinas cujos filhos foram assassinados ou desapareceram durante a ditadura. Hoje elas frequentam a Casa Rosada, recebidas pela presidenta Cristina Kirchner, em um país que puniu os algozes, a começar pelos generais ditadores.

Há quem diga e até escreva que Dilma se expõe ao risco de uma “saia-justa” (não aprecio a enésima frase feita frequentada pelos nossos perdigueiros da informação, mas a leio e reproduzo) ao encontrar as mães da praça. Quem fala, ou escreve, talvez funcione como porta-voz de ambientes fardados. Ocorre, porém, que a reunião foi solicitada pela própria presidenta do Brasil, e ela sabe o que faz.

No discurso de posse, Dilma mostrou-se orgulhosa do seu passado de guerrilheira e homenageou os companheiros mortos na luta. Conta com o aplauso de CartaCapital. Foi o primeiro sinal de um propósito claro do novo governo: aprofundar o debate em torno das gravíssimas ofensas aos Direitos Humanos cometidas ao longo dos nossos anos de chumbo. O encontro de Buenos Aires confirma e sublinha a linha definida pela presidenta, a bem da memória do País.

Cada terra tem suas características, peculiaridades, tradições. O Brasil não é a Argentina. Ambos foram colônias. Nós padecemos, contudo, três séculos de escravidão. A independência não veio com a rebelião contra a metrópole e sim graças aos humores contingentes de um jovem príncipe brigado com a família. A república foi proclamada pelos generais. A resistência e a luta armada na Argentina tiveram uma participação bem maior do que se deu no Brasil, e nem por isso o terror de Estado deixou de ser menos feroz aqui do que no Prata.

Já li mais de uma vez comparações entre o número de mortos e de desaparecidos brasileiros e argentinos, de sorte a justificar que a nossa foi ditabranda. Bastaria um único assassinado. A violência, de todo modo, foi a mesma, sem contar que os nossos torturadores deram aulas aos colegas de todo o Cone Sul, habilitados por sua extraordinária competência. Se a repressão verde-oliva numericamente matou, seviciou e perseguiu menos que a argentina foi porque entendeu poder parar por aí.

Fernando Henrique Cardoso disse na terça-feira 25 ao Estadão ser favorável à abertura dos arquivos da ditadura. Surpresa. Foi ele, antes de deixar a Presidência, quem referendou a proposta do general Alberto Cardoso, que comandava seu gabinete da Segurança Institucional, de manter indevassável a rica documentação por 50 anos. No elegante português que o distingue, FHC agora declara: “Aquilo ocorreu no meu último dia de governo e alguém colocou um papel para eu assinar lá”. Deu para entender que alguém pretendia enganá-lo e que o presidente assinava sem ler. Resta o fato de que, ao chegar ao poder, o príncipe dos sociólogos recomendou: “Esqueçam o que eu disse”. Dilma teve um comportamento de outra dignidade. E não há como duvidar que saberá dar os passos certos na realização da Comissão da Verdade.

Certos significa também cautelosos, sempre que necessário. E sem o receio da “saia-justa”. Adequados a tradições que, infelizmente, ainda nos perseguem. Colonização predatória, escravidão etc. etc. As desgraças do Brasil. E mais, daninha além da conta, o golpe de 64 a provar no País a presença insuportável de um exército de ocupação, pronto a executar os planos dos Estados Unidos com a inestimável colaboração da CIA e a servir às conveniências dos titulares do privilégio e seus aspirantes. Os marchadores com Deus e pela liberdade. Que Deus e que liberdade é simples esclarecer.

O fantasma brasileiro é fardado e não há cidadão graúdo que não o tema, e também muitos miúdos. Todas as desculpas valem, na hora em que se presume seu iminente comparecimento, para, de antemão, cancelar o debate ou descartar as soluções destinadas a provocá-lo. Nada disso é digno de um país em ascensão e de democracia conquistada. Carta-Capital acredita que a presidenta saberá exorcizar o fantasma sem precipitar conflitos. Saias-justas, se quiserem.

Um leitor escreve diretamente para Wálter Fanganiello Maierovitch. Lamenta a posição dele e de CartaCapital a favor da extradição de Cesare Battisti. Com urbanidade, felizmente. Enaltece a figura de Tarso Genro, louva a decisão que precipitou o caso e cita, para demonstrar seu teo-rema, um livro intitulado Terrorismo e Criminalidade Política, em que o falecido Heleno Fragoso, professor universitário e célebre criminalista carioca, se refere às inúmeras leis de exceção promulgadas na Itália durante os anos de chumbo. Nada disso também é digno do Brasil.

Fragoso não é o único entre os professores brasileiros que ignoram a história recente com toda a solenidade condizente com suas becas. A Itália dos anos 70, entregue ao comando da operação ao general Alberto Dalla Chiesa, venceu o terrorismo sem recurso a leis de exceção. Houve sim leis de emergência, que um Fragoso não poderia confundir com aquelas. Na semana passada publicamos uma entrevista do filho de Dalla Chiesa, que fez menção a outras leis aprovadas illo tempore, entre elas a redução a 36 horas da jornada de trabalho por obra da poderosa atuação do Partido Comunista e dos sindicatos, e a descriminalização do aborto, que aqui é quimera.

Nas eleições políticas de 1976, o PDC teve 36% dos votos e o PCI 34%, enquanto os pleitos administrativos davam aos comunistas a maioria das prefeituras. A Itália dos anos 70, contudo, não era somente de Aldo Moro e Enrico Berlinguer, mas também de primorosa cultura, representada por figuras como Norberto Bobbio, Italo Calvino, Pasolini, Sciascia, Fellini, De Sica, Montale, Visconti e assim por diante. Não bastaria esta página para nomear a todos, e ninguém era de direita. Um importante colaborador de Berlinguer, Giorgio Napolitano, atual presidente da República italiana, enviou uma carta tocante à presidenta Dilma. Ele renova os cumprimentos pela eleição, mas mira no caso Battisti.

“Não são aceitáveis distorções, negações ou leituras românticas de crimes de sangue”, escreve Napolitano. A negativa à extradição, acentua “significa motivo de desilusão e amargura para a Itália”. “Não foi plenamente compreendida – prossegue – a necessidade de justiça experimentada por meu país e pelos familiares das vítimas de brutais e injustificados ataques armados, bem como dos feridos por aqueles ataques, sobrevividos às duras penas.” E ao cabo lembra que o terrorismo foi derrotado “dentro das regras do Estado de Direito”.

O Brasil no caso não deve satisfações ao governo italiano, o atual, aliás, o pior desde o imediato pós- guerra, e sim ao Estado, que o presidente da República representa. Talvez seja igual a pregar no deserto recomendar uma boa pesquisa sobre os anos de chumbo italianos a políticos, magistrados, jornalistas, irados cidadãos atolados em uma patética patriotada, indigna do país que o Brasil merece ser. Isento o trabalho, aconselhamos, da singular influência da hipocrisia francesa.

Falo deste nosso atual país onde ainda se verificam cenas do faroeste. Na sexta-feira 21, o caminhão que carregava para o Rio o reparte de CartaCapital foi assaltado ao longo da Dutra. Os assaltantes não eram ávidos de boa leitura: a carga não tinha para eles a menor serventia, queriam era o próprio caminhão. Renderam e aprisionaram o motorista, ficaram com o veículo, imediatamente remetido para outro canto do País.

A última edição da revista não circulou no Rio. Na noite da mesma sexta tentamos reunir um número suficiente de exemplares para reabastecer as bancas cariocas. Infelizmente não havia sobras, na manhã de sábado todos os repartes tinham sido distribuídos. Pelo gravíssimo percalço pedimos desculpas muito sentidas aos leitores do Rio. Com uma derradeira observação. Ao recordar os assaltos às diligências dos filmes western, murmurei para meus espantados botões: a presença de bandos armados no trajeto da mais importante rodovia do País não é digna do Brasil que queremos. Os botões me acharam comedido.
Mino Carta

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Re: Lula decide não extraditar o italiano Cesare Battisti

#96 Mensagem por Mr.Caos » 02 Fev 2011, 22:25

Realmente, Mino Carta insiste com o Maierovitch e não tem medo do ridículo.

Fazem questão de nomear leis de exceção como 'leis de emergência', como se isso fosse mudar o conteúdo delas.

O nível da argumentação deles é essa, mudar as palavras para ver se com ela os fatos mudam.

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Bob Black
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Re: Lula decide não extraditar o italiano Cesare Battisti

#97 Mensagem por Bob Black » 04 Fev 2011, 16:45

Se Battistti é de fato um terrorista, bandido ou coisa que o valha não entrarei nesse mérito, não é com objetivismos maniqueístas que se faz política. Se Lula tomou a decisão é por que foi melhor para ele. Repito, melhor para ele, politicamente falando. O fato de Battisti ficar aqui não muda em nada o preço do dólar, e em nada influecia na vida do brasileiro. Tampouco a Itália deixará de manter relações diplomáticas com o Brasil por conta disso. Que deixem o Berluscone tirar as calças e pisar em cima. Que deixem a direita esbravejar feitos cães raivosos e parte da "esquerda" mureteira também. No entanto, o Brasil mostra seus dentes afiados da soberania.

O que me importa a opinião do Mino carta?

Será que Mino Carta acha o Sarney um cara legal?? Será que o democrata Mino sabe que o Delfim Neto, colunista da Carta Capital, fez parte de uma governo autoritário??


Lula, depois de fazer um governo paz e amor total, devia um agradiznho para seus companheiros da esquerda marxista, não??

Menos, gente, menos...deixa o homem ficar.

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