Vejam a essa reportagem do jornalista Carlos Marchi publicada n' “O Estado de São Paulo” de 20 de agosto de 2003, pág, D9:
Os números não mentem jamais, a menos que sejam manipulados – esta é a principal arma do jornalista e cientista social Ali Kamel para desmontar um dos grandes mitos do Brasil atual, as políticas compensatórias (ou “ações afirmativas”, como se diz) para redimir a pobreza que penaliza a população negra. Kamel lembra que nem só os negros são pobres, mostra que os negros usam os pardos para engordar os números da miséria, mas depois os afastam dos benefícios, e, ao final, alerta para o perigo de o ódio racial instalar-se no Brasil. Não Somos Racistas (editora Nova Fronteira, 143 págs., R$22) é um libelo contra o advento do ódio racial e responde à tese politicamente correta das ações afirmativas com uma tese mais politicamente correta ainda – o Brasil tem de resgatar todos os pobres, não só os pobres que são negros. Se não for assim, o que dizer aos milhões de pardos e brancos são tão pobres quanto os pobres negros? “Quando pobres brancos, que sempre viveram ao lado dos negros pobres, experimentando os mesmos dissabores, virem-se preteridos apenas não têm a pele escura, estará dada a cisão racial da pobreza”, adverte Kamel. Ele mostra que o Brasil não é institucionalmente racista, apenas tem pessoas que são racistas. E posiciona o fim da democracia racial na década de 50, pela ação da Escola Florestan Fernandes, da qual participava Fernando Henrique Cardoso. Para Kamel, quando chegou ao governo, FHC lembrou-se tanto do que tinha escrito que resgatou a idéia de criar ações afirmativas para negros pobres. Adiante, o governo Lula – com seus movimentos populistas superlativos – abriu a porteira para as cotas raciais. O autor desmonta os argumentos usados para justificar as políticas de cotas. No preâmbulo, registra que, segundo a Ciência, raças não existem. Depois, critica a decisão que dividiu o Brasil em brancos e negros, quando o governo FHC decretou que os documentos oficiais deveriam juntar os “pardos”, “mulatos” e “pretos” sob um só rótulo - “negros”. A Partir daí, oficialmente não houve mais pardos, mulatos e cafuzos de variadas nuances – só negros. Essa decisão viabilizou o principal argumento dos militantes negros – de que negros são 48% da população e 65,8% dos pobres. Nem uma coisa nem outra, prova Kamel. Debulhando números do IBGE e do PNAD, ele mostra que os negros são 6,4% da população (11 milhões); os pardos são 41,7% (76 milhões); e os brancos, 51 % (93 milhões). Dos 57 milhões de pobres, 34 milhões são pardos (58,7% do total), 4 milhões são negros (7%) e 19 milhões são brancos (34,2%). Entre os pardos, os pobres são 44,7%; entre os negros, 36,4%; e entre os brancos, 20,4%. Ouseja: mediante qualquer critério, os pardos são mais pobre que os negros. Nada nas estatísticas prova que a desigualdade é causada por racismo, diz Kamel. Na afirmação mais polêmica do livro, Kamel diz que os números relativos aos pardos – porcentualmente, os brasileiros mais pobres – serviram para engordar as estatísticas de pobreza dos “negros”. Mas na hora de distribuir os benefícios, boa parte dos pardos (seguramente, os que estiverem mais para pardos/brancos do que para pardos/negros) são excluídos dos benefícios. O autor ironiza: o pardo é um negor meio branco ou um branco meio negro? E completa: “Chamar um pardo de afro-descendente é mais do que inapropriado, é errado”. Kamel traz duas novidades arrepiantes: a primeira é que nos EUA, a política de cotas beneficiou uma elite de negros que já haviam saído da linha da pobreza – a grande maioria pobre ficou fora dos benefícios. A segunda é que as políticas compensatórias nunca serão abolidas, porque nenhum político terá coragem de propor o seu fim. Ele diz que a política de cotas é a “importação acrítica” de uma política americana que não cabe à estrutura social brasileira e que sua implantação extingue os critérios meritocráticos. Com argumentação convincente, Kamel afirma que o propalado desnível salarial entre brancos e negros não tem fundamento racista: ganham menos sempre os que têm menos escolaridade. E lista a série de procedimentos bizarros que se seguiram à implantação da política de cotas nas universidades. Relata que a funcionária do IBGE que o ajudou a coletar números se disse “parda como a atriz Glória Pires” (que possui ascendência indígena). Kamel defende que o Brasil invista maciçamente em educação para erradicar a pobreza de todas as cores humanas. Em outro instigante livro, A Persistência da Raça (editora Civilização Brasileira), o sociólogo Peter Fry dá a pista para a chave do enigma: “O custo de um choque de qualidade nos territórios pobres do País é vultoso, ao contrário da política de cotas, cujo custo é quase zero”. A política de cotas pode não ser a solução mais adequada, mas é a mais barata e, portanto, a mais conveniente e fácil para os governos.
Tão esclarecedoras informações dispensariam, em princípio, comentários, mas gostaria de acrescentar o seguinte:
# as lideranças do chamado “movimento negro” chegaram a aventar a hipótese de pagamento de indenizações pecuniárias aos negros como forma de reparação aos danos morais sofridos em razão da escravatura de seus antepassados, proposta essa surgida no final do governo FHC e levada mais a sério pelo governo Lula. É um verdadeiro absurdo devam todo os brasileiro, inclusive aqueles, como eu, cujos antepassados nada tiveram a ver com a escravatura dos negros, nem obtiveram vantagem alguma da escravidão, tenham de arcar com o custeio de mais uma ação de natureza populista-eleitoreira, cujo fundamento moral é tão-só o alívio de consciência daqueles cujos antepassados se aproveitaram dos benefícios econômicos oriundos do escravagismo.
# estudei na USP, que é tida como um protetorado da elite brasileira, a despeito de, à época do vestibular e ingresso na faculdade, pertencer a um grupo sócio-econômico absolutamente desprestigiado no País (depois ocorreu melhora, em decorrência de muito trabalho e esforço de minha parte). Em minha classe na faculdade havia apenas um aluno negro, circunstância que parece colaborar com o mito combatido por Kamel em seu livro. Sucede que este único aluno negro era proprietário de um automóvel importado de último tipo, numa época em que isto era uma raridade, no início do governo Collor, além de sócio de clubes que jamais pude freqüentar em razão da minha situação econômica. O ingresso desse rapaz num estabelecimento de ensino “de elite” se deu, como era natural, por ele pertencer a essa elite, a despeito da sua cor. Por outro lado, cansei de ver loiros de olhos azuis em favelas ou em meio aos indigentes. Pelo que conheço de Brasil, alguns Estados, a miséria é grande e não atinge só os negros, nem são os negros a maioria dos pobres. Quem são os “pardos”? Os descendentes de indígenas são pardos também?
# por fim, quero acrescentar que o sistema de cotas já foi adotado por diversos governos, em vários países e em diferentes fases da História. Não poderia olvidar que pouco antes da ascensão de Adolf Hitler ao posto de chanceler, o governo alemão, sob pressão dos membros do Partido Nazista no Parlamento, adotou um sistema pelo qual os judeus eram limitados a ocupar um pequeno percentual de atividades econômicas, sociais e culturais, como escolas e universidades, hospitais, serviço público, empresas privadas, sistema financeiro e bancário, forças aradas e até orquestras sinfônicas. Após 1933, quando Hitler venceu as eleições com vitória esmagadora, os judeus, bem como os ciganos e testemunhas de Jeová, foram expurgados em absoluto dessas áreas.
Assim, acredito que o sistema de cotas, antes de promover a erradicação da desigualdade social, nega a luta de classes, onde a dicotomia da sociedade se dá pelo confronto de classes econômicas, motivo pelo qual deveria ser rejeitado pela esquerda, e constitui-se num método racial-discriminatório. Como constou na reportagem citada, definitivamente não soluciona os problemas brasileiros, mas é a forma mais barata e simples de políticos de várias bandeiras iludirem o povo e dizerem que "está sendo feito algo para acabar com a desigualdade social"
Vamos discutir esse tema, camaradas?
Abraços,
Roman Barak