Era fim de tarde quando a equipe de reportagem chegou e ela estava sentada na frente de casa numa cadeira de balanço. Aquelas com estrutura de ferro e enroladas com fios de borracha colorida. A dela tinha um tom lilás. À primeira vista parecia uma vovó aposentada cumprindo o ritual diário de ver a vida passar pela calçada. Mas não. Josefa Paula da Silva, 83 anos, prostituta, mora sozinha no bairro Alto do Louvor, em Mossoró, e aguardava o cair da noite para mais uma jornada de trabalho.
Pode parecer estranho, aos 83 anos, continuar na prostituição. Entretanto, para essa paraense de Santarém, a vida não reservou outra escolha. "É o que eu sei fazer", disse. Com os cabelos brancos tingidos de loiro, um vestido surrado e o rosto com as marcas do tempo, deixava transparecer um certo ressentimento da vida. Ela garantiu que é feliz, mas os olhos teimavam em desmentir a senhora de programa.
A história de dona Josefa já foi como a de muitas outras mulheres. Casamento, filhos, uma vida que para ela, hoje, é burocrática, mas que já fez parte dos sonhos. Josefa foi casada, teve um casal de filhos e morava com a família em Santarém, no Pará. O marido, alcoólatra, passou a bater nela e a tratá-la mal. "Ele mudou muito. Não suportei aquela humilhação e disse para mim mesma: agora vou viver no mundo". O ano era 1943. Ela veio para Mossoró com uma amiga e entrou na "vida". O amor do passado se resume a lembranças tristes. Os filhos, entregou para a mãe criar. Os pais ficaram no Pará e os contatos passaram a acontecer de "tempos em tempos".
Josefa sempre morou no Alto do Louvor. Um bairro que, no passado, abrigava as principais casas de prostituição de Mossoró. "Hoje não tem mais cabaré por aqui. É tudo família", disse a experiente prostituta. Ela lembra que nos tempos áureos do Alto do Louvor o movimento era intenso. Políticos, jornalistas, advogados e funcionários públicos freqüentavam o local. "Era só gente da alta que vinha aqui. Meus clientes sempre voltavam", ressaltou. Entre um cliente e outro, a paixão voltou a bater no coração magoado de Josefa. "Eu amei outro homem. Era um jornalista que hoje mora no Rio de Janeiro. Fiquei seis anos com ele. Mas isso está no passado". Discreta, ela pediu para preservar o nome do amante e das demais autoridades que passaram por lá. "A família pode não gostar", explicou.
Já são mais de 60 anos vivendo como prostituta, uma profissão que, geralmente, está ligada à estética, à beleza. "Mas os clientes não procuram apenas isso", observou dona Josefa. Segundo ela, todos os dias há clientes em casa. "Eles querem atenção, carinho. Querem conversar e é claro, também querem sexo". Questionada se a idade não é um problema, ela garante que os mais de 80 anos não atrapalham. "Tem homens que gostam de mulheres mais experientes". O programa não tem preço fixo. "Varia. Eles dão R$ 10 e até R$ 20".
A clientela de Josefa é composta em sua maioria por homens mais velhos. "De 60 pra lá". Entretanto, os mais novos também aparecem de vez em quando. "Tem garotão de 20 anos que chega aqui na minha porta. Eu pergunto porque eles não vão atrás das menininhas novinhas e eles respondem: as mais experientes sabem fazer melhor". Em tempos de AIDS e de outras doenças sexualmente transmissíveis, Josefa se mostra contextualizada. Preservativos não faltam numa gaveta de um armário velho no canto da sala de cimento batido. "Tem que usar camisinha", diz.
Josefa mora sozinha, mas sempre alguém aparece para fazer companhia. Além dos fregueses, ela complementa uma aposentadoria conseguida com a ajuda de um cliente influente alugando quartos para casais. "É pouquinho. Cada quarto é R$ 2. Eles fazem o serviço e vão embora. Desse jeito a casa quase nunca fica sem ninguém", explicou. Sobre o preconceito, ela destaca o fato de nunca ter sido discriminada por ser uma prostituta. "Aqui na rua todo mundo me respeita. Sou uma pessoa 'ajudadeira'. Sempre que alguém precisa estou pronta para estender a mão", disse. Josefa acredita que o respeito é o mais importante para a convivência entre as pessoas. "Digo para os jovens: respeitem os outros para conseguirem ser alguém". A noite estava chegando e, apressada, ela perguntou à reportagem se ainda faltava alguma coisa.
"Tenho o que fazer. Está na minha hora".
(copiado do Catarro Verde http://catarro.blogspot.com)