Coronavírus: pandemia pode jogar duas mil prostitutas de BH na rua.
Impedidas de trabalhar por conta do distanciamento social imposto pelo surto de Covid-19, muitas trabalhadoras sofrem também com o fechamento dos hotéis do baixo centro, onde moram e atendem. Prefeitura ainda não sabe como vai enfrentar a situação
Mãe de dois filhos - ambos residentes em Angicos, no interior do Rio Grande do Norte -, a prostituta Gabriela*, de 40 anos, não manda mais dinheiro para a família desde a semana passada. Sua renda, afinal, foi reduzida praticamente zero desde o estouro da pandemia de coronavírus em Belo Horizonte, onde ela vive há cinco anos.
ais de duas mil mulheres, que atuam em 28 hotéis da capital mineira - números da Associação de Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig) - não terão a mesma sorte. O temor é de que, com o distanciamento social imposto pela COVID-19, o destino de muitas delas seja a rua.
Sem amparo do município, que ainda não sabe como vai lidar com a situação, resta a elas, até o momento, algum auxílio vindo de ONGS, coletivos e pastorais, que temem que a precariedade imposta ao baixo meretrício de BH contribua para o agravamento do surto viral.
Imigrantes
"O que agrava a situação é que 90% da nossa categoria vêm de outras cidades. Com o sumiço dos clientes e o fechamento de hotéis, muitas ficaram sem dinheiro sequer para pagar a passagem de volta às casas de suas famílias. As que não têm para onde voltar e permanecem nos hotéis ainda em funcionamento, já não tem como continuar pagando as diárias. Até o momento, estamos praticamente abandonadas à nossa própria sorte”, relata Cida Vieira, presidente da Aprosmig.
Sem obrigação de paralisar suas atividades - já que não foram contempladas pelo Decreto Municipal 17.304/2020, do prefeito Alexandre Kalil, muitas hospedarias reduziram o valor da diária.
"O preço médio baixou de R$ 100 para R$ 50. De qualquer forma, nós precisamos e queremos parar, cumprir a quarentena. Primeiro, porque é uma questão de saúde pública. Depois, porque continuar trabalhando também aumenta o estigma que existe sobre a profissão. Já somos vistas como veículos de doenças. Não queremos reforçar ainda mais essa marca tão ruim”, afirma Fátima Muniz, fundadora do Coletivo Clã das Lobas.
A entidade, voltada à promoção de ações culturais, de saúde, além de assessoria jurídica para trabalhadoras sexuais da capital, conseguiu uma casa para alojar prostitutas que porventura perderem a vaga em quartos alugados. A lotação máxima da residência, no entanto, é de apenas 50 mulheres.
Proprietário do Magnífico Hotel, tradicional da rua Guaicurus, Flávio Dornas diz que contribui para mobiliar o local. Fez também doações de mantimentos e produtos de higiene para a casa. Ele optou por fechar os 52 apartamentos de seu estabelecimento e afirma que não vai dispensar funcionários, nem reduzir salários.
“Nosso plano de fechar o hotel já está em execução desde domingo. A ideia é garantir a segurança das meninas (para quem os quartos são alugados), além dos meus funcionários e das pessoas que frequentam o hotel. Ainda há seis garotas aqui. Duas estão voltando para o interior. As outras quatro que não têm para onde ir estão sendo encaminhadas para a casa do Clã das Lobas. Se elas ficassem, nossa dificuldade de controlar o isolamento seria muito grande. O momento é de nos resguardarmos. Minha maior preocupação, agora, é zelar pela vida de todos nós. Dinheiro, a gente ganha depois”, pondera o empresário.
Comitê
Questionado pelo Estado de Minas, o município informou que ainda não tem um plano traçado para assistir as duas mil prostitutas ameaçadas pelo surto global. Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania de Belo Horizonte relata que iniciou "um processo de escuta" das lideranças da categoria a fim de compreender suas necessidades".
"Algumas demandas, como acesso à alimentação e emissão de passagens, já são atendidas pela Prefeitura no caso de populações vulneráveis e, por seu caráter essencial, serão mantidas mesmo no contexto do COVID-19", diz o texto enviado pelo órgão.
De acordo com Cida Vieira, esse diálogo corresponde ao estabelecimento de um comitê de combate ao coronavírus na zona de prostituição de Belo Horizonte. O grupo reúne membros da Aprosmig, da Associação dos Amigos da Rua Guaicurus, Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG), Polícia Militar (PMMG), além de donos de hotéis que funcionam na região.
Entre as reivindicações do movimento, está o repasse de parte dos impostos recolhidos na Rua Guaicurus à manutenção da população vulnerável da região, o que inclui as prostitutas.
“Nós apoiamos todas as medidas de contenção do coronavírus. Mas precisamos responder a uma questão: como essas mulheres vão se manter durante a quarentena? Porque nós existimos, embora o governo e a sociedade ainda insistam em negar isso. Inclusive, pagamos impostos”, reflete Cida.
"No atual momento do coronavírus, é indicado o distanciamento social. Essa medida, apesar de ser extremamente importante, traz inúmeros impactos para nós, travestis e transexuais. É importante lembrar que, no Brasil, 90% dessas pessoas está na prostituição, pois há uma transfobia odiosa que nos expulsa do mercado de trabalho. Nesse sentido, o distanciamento social pode significar o fim da única renda das pessoas trans no país. Nós, da ONG Transvest, queremos minimizar esse cenário em Belo Horizonte", afirmou Duda em em vídeo publicado no *naopode*
As trabalhadoras interessadas em usufruir dos benefícios devem entrar em contato via via WhatsApp pelo número (31) 99398-3571.
"Home office"
Na seara da prostituição de luxo, o cenário diante da pandemia de coronavírus soa um tanto mais confortável. A garota de programa Amanda Amorim, de 26 anos, diz que não vai continuar atendendo durante o surto. “Eu e muitas meninas nos isolamos nos nossos apartamentos e cortamos o contato com a família até esse caos passar. Mas conheço meninas que continuam trabalhando. O movimento caiu. De seis clientes diários, diria que elas passaram a atender um ou dois”, conta a moça, que cobra a partir de R$ 650 por hora de atendimento.
Segundo a profissional, os sites em que ela anuncia seus serviços buscam inovações para manter os ganhos em tempos de pandemia. “Recebemos mensagens oferecendo a adesão a serviços virtuais, por meio de vídeo, por exemplo. Eu não vou aderir, tenho preguiça de sexo virtual. Mas muitas garotas certamente vão”, avalia a moça.
Fonte:
Portal uai
https://www.em.com.br/app/noticia/gerai ... -rua.shtml