Análise & Opinião 10/03/2010
DEBATE ABERTO
O Brasil pisou na bola em Honduras?
Um sem-número de articulistas e porta-vozes dos círculos oposicionistas têm se esforçado para demonstrar suposto fracasso da política externa da administração Lula nesse episódio. Alguns argumentos se sobressaem.
Breno Altman
A normalização das relações com o governo hondurenho de Porfírio Lobo, decidida pelos Estados Unidos e a União Européia nos últimos dias, recoloca em discussão a abordagem brasileira sobre o golpe de Estado naquela república centro-americana, e seus desdobramentos depois da eleição e posse do novo presidente.
Um sem-número de articulistas e porta-vozes dos círculos oposicionistas têm se esforçado para demonstrar suposto fracasso da política externa da administração Lula nesse episódio. Alguns argumentos se sobressaem.
O primeiro deles é aristotélico: a posição de Brasília estaria equivocada porque deu errado. Afinal, os golpistas chefiados por Roberto Micheletti impediram o retorno do presidente deposto, Manuel Zelaya, e conseguiram promover, pela via eleitoral, a emergência de um novo governo institucional.
O segundo entre os argumentos mais freqüentes é revelador das entranhas de seus porta-vozes, pois justifica, com maior ou menor sutileza, o golpe cívico-militar que derrubou o presidente constitucional. Tratam o que se passou como resposta constrangedora, mas aceitável, às tentativas de Zelaya para alterar, por referendo popular, as travas que impediam sua reeleição.
Algo como disse o ministro do STF brasileiro, Marco Aurélio Mello, quando recentemente se referiu ao pronunciamento militar que, em 1964, derrubou o presidente João Goulart: um “mal necessário”. Às favas se essa pretensa necessidade conduz à violação de direitos constitucionais e fere a soberania popular.
O fato é que, na vida ou na política, nem sempre o que dá certo, certo está. Não passa de oportunismo desavergonhado o raciocínio que estabelece, como critério absoluto para julgamento de uma determinada posição, seu grau de sucesso. Há batalhas que devem ser travadas mesmo quando se u s resultados, em um primeiro momento, são pouco animadores.
Assim procedeu o governo brasileiro no caso hondurenho, ao lado de outras nações. A omissão ou a hesitação, em nome do realismo aconselhado por alguns personagens, significariam a mais abjeta cumplicidade. Mais ainda: facilitariam os movimentos de quem propugna pela estratégia do “mal necessário” no enfrentamento às forças progressistas.
Trata-se de ignorância ou má fé abordar o golpe em Honduras como fato isolado. Com menos sofisticação institucional e derrotado por intensa mobilização, dentro e fora do país, houve o precedente venezuelano em 2002, quando o bloco conservador quis derrubar pelas armas o presidente Hugo Chávez.
A Casa Branca, daquela vez, não fez qualquer cerimônia ou jogo de cena para disfarçar seu apoio ao golpismo. Declarou de imediato, sempre em nome da democracia e da liberdade, alinhamento à ruptura da ordem constitucional. O governo norte-americano, desta feita, foi bastante mais cuidadoso. Chegou até mesmo a adotar medidas contra o governo ilegal de Micheletti. Mas manobrou com habilidade para que a saída à crise fosse a institucionalização do regime de força e não a restauração da situação constitucional.
O governo brasileiro, diante desse quadro, adotou uma atitude de princípio: a condenação do golpe e a denúncia de qualquer encaminhamento originado à margem das regras democráticas. Acabou prevalecendo a solução firmada entre golpistas e seus adversários mais complacentes. A conduta do presidente Lula, no entanto, demarcou trincheiras estratégicas.
A primeira delas foi fixar que as correntes e administrações progressistas assumem a defesa da democracia às últimas consequências, ainda que em condições adversas. A segunda: os governos de esquerda e centro-esquerda do continente rechaçam a lógica de que conflitos latino-americanos devam ser resolvido s c onforme os interesses da geopolítica de Washington. Ambos paradigmas valem o preço de um retrocesso circunstancial.
Não é de se surpreender que as correntes conservadoras vejam isolamento ou falta de realismo na postura do presidente Lula. Assim se conduzem porque sua própria atitude vai se aproximando, mais e mais, do desrespeito à soberania popular e ao primado das instituições democráticas, para não falar da eterna submissão às políticas imperialistas.
Um comportamento amedrontado ou dúbio do governo brasileiro abriria mais espaços de legitimação para a lógica do “mal necessário”. A reação destemida e ativa, por outro lado, fincou uma estaca de resistência cuja serventia não tardará a se demonstrar.
Breno Altman é jornalista, diretor do site Opera Mundi (
www.operamundi.com.br)