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O tempo exausto (2)
por Mauro Santayana
A mesma espécie de sábios que decretou o fim da História, com o triunfo da globalização neoliberal, decretara antes o fim das ideologias. A ordem do raciocínio é a mesma: o capitalismo, premiando os audazes e persistentes, liquidaria as ideologias. Na realidade, eles pensavam em uma só ideologia, o que é correto, do ponto de vista lógico: o fim do pensamento de esquerda, com o domínio absoluto da ordem da direita, contra a “anarquia” libertária, acabaria com os lados ideológicos. Onde predomina o pensamento único – no caso, o neoliberal – as idéias se encontram castradas, mortas.
Mas a ideologia não é uma diversão da inteligência. Ela corresponde a interesses humanos bem claros e definidos. Os homens, mesmo quando submetidos ao sofrimento mais terrível, não deixam de aspirar à felicidade. O que difere é o conceito de felicidade de cada um. Para os lúcidos, a felicidade é altruísta. Assim a sentem, por exemplo, os patriotas, quando seu país cresce em prosperidade, e todos vivem em paz e têm a mesma oportunidade de realização. Não pode haver segurança pessoal e o conforto que o trabalho permite, enquanto houver crianças famintas e adolescentes perdidos no turbilhão da miséria, das drogas e do crime. Em uma sociedade como a que nos cabe, ainda não podemos ser felizes, se possuirmos sentimento de pátria. A pátria não é referência geográfica, é uma reunião de seres humanos que falam a mesma língua e têm projetos comuns. Como resumiu Renan, a nação é o ato cotidiano de solidariedade. Os grandes interesses, que manipulam os meios de informação, para manter os povos submissos, inoculam os vírus da intolerância para com os diferentes, e pervertem as parcelas mais débeis dos povos, transformando-as em hordas de predadores e assassinos. Isso ocorre em todos os países do mundo, porque é inerente ao sistema mundial de domínio.
Submetidas à insânia construída e mantida pelo controle da indústria cultural, muitas pessoas só se sentem felizes no usufruto da desigualdade e da injustiça. São aquelas cuja fortuna só lhes serve para a soberba e a intolerância. Há muitos homens ricos que escapam dessa maldição. Lembro-me de uma confidência que me fez, quando participávamos da Comissão Arinos, o industrial Antonio Ermírio de Moraes, cuja posição no grupo de estudos era de centro-esquerda: ele se sentia tranqüilo porque não fazia de sua fortuna uma ofensa a ninguém. Guardava os seus domingos para servir aos outros, na direção de um grande hospital, e não os usava para a ostentação e o hedonismo. Ele, como alguns outros empresários brasileiros, como foi José Alencar, são daqueles que se orgulham mais do número de empregos que criam, do que do conforto e do poder de que podem desfrutar. Mas há – e não só entre os ricos, mas também entre os pobres alienados – aqueles que só se sentem felizes diante da infelicidade alheia. Só são ricos porque vivem em um mundo de pobres. A partir dessa simplificação, podemos concluir que há, sim, e continuará havendo, duas ideologias, direita e esquerda, com suas pequenas variantes no espectro doutrinário.
A extrema-direita só pode impor-se mediante a fraude e o terror. Ela sempre se valeu da combinação dos dois expedientes que, na perfeita síntese da Igreja Católica e da Reforma dos tempos inquisitoriais, se fazia mediante o pavor do inferno, reproduzido no mundo com as torturas, os massacres mútuos de católicos e protestantes, e a hipocrisia da caridade, a fim de garantir a submissão dos oprimidos, com o uso alternado da piedade e da forca, como resumiu um conservador lúcido, Bronislaw Geremek.
Como em todas as grandes mudanças históricas, aguarda-se a intervenção da inteligência, a fim de conduzir a revolução que as ruas anunciam, nos paises árabes, nas praças espanholas e nos bairros de Londres – não só os “sujos” de imigrantes negros e morenos, como Tottenham, mas também em áreas centrais, como a de Oxford City.
A última manifestação de rebeldia que contou com a presença de grandes intelectuais foi a eclosão da juventude, em 1968. Os homens que deram o suporte de suas idéias ao movimento, como Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Max Horkheimer, Jean Paul Sartre, já não existem. Os pensadores de hoje parecem acomodados. Não aparentam dispor da chama interior próxima dos jovens que queriam amar e expressar seu inconformismo com o mal-estar de um mundo unidimensional e injusto, como os que se rebelaram em Paris, em maio de 1968 – e, em seguida, no resto do Ocidente.
O tempo está exausto, mas é provável que se canse da própria exaustão, a fim de, tal como em outras épocas, provocar o fulgor da inteligência e dar a alguns homens não só idéias fortes, mas também o poder de, com elas, convocar a consciência solidária e essencial dos homens, contra os novos bárbaros.
http://www.viomundo.com.br/humor/darcus ... -vivo.html
Darcus Howe: O homem que detonou a BBC, ao vivo
por Luiz Carlos Azenha
O vídeo abaixo vai certamente entrar na lista das melhores atuações do PIG, emparelhado com aquele da massa cheirosa.
A entrevistadora da BBC, Fiona Armstrong, tinha — como se diz no ramo — uma agenda.
Ela queria que o entrevistado, o escritor Darcus Howe, condenasse os tumultos em Londres e parece ter ficado transtornada com a opinião destoante do convidado.
Ele disse que se a polícia e o governo britânico tivessem ouvido os jovens — brancos ou negros –, saberia antecipadamente que eles estavam no limite com a atuação dos policiais.
Howe citou o próprio neto, que disse ao avô ter sido revistado pela polícia um sem número de vezes nas ruas da cidade.
A apresentadora disse que não tinha motivos para achar que ele estava mentindo. Mas, quem disse que ele estava mentindo?
Em seguida, visivelmente agitada, ela sugeriu que o próprio escritor tinha participado de “riots” no passado, “tumultos”.
Ele: “Nunca participei de tumultos. Eu estive em manifestações que terminaram em conflito. Tenha respeito por um velho negro das Antilhas”.
Disse também que a entrevistadora soava “idiotic”, ou idiota.
A resposta final dele, em inglês:
“I have never taken part in a single riot. I’ve been part of demonstrations that ended up in a conflict. Stop accusing me of being a rioter and have some respect for an old West Indian negro, because you wanted for me to get abusive. You just sound idiotic – have some respect.”
A BBC pediu desculpas pela maneira como a âncora formulou a pergunta e Howe disse que, por isso, desistiu de processar a emissora.
Outras versões deste mesmo vídeo já tem mais de 3,5 milhões de acessos no You Tube.
Abaixo, veja também a surra que o sociólogo Silvio Caccia Bava deu nos entrevistadores da Globonews, tratando do mesmo assunto (notem, especialmente, como o entrevistador pergunta já respondendo, como se fosse o Ali Kamel):
http://www.youtube.com/watch?v=mzDQCT0AJcw
http://www.youtube.com/watch?v=HI1YSPHVeIA
http://www.cartamaior.com.br/templates/ ... a_id=18241
O capitalismo bestial ataca nas ruas
O thatcherismo despertou os instintos bestiais do capitalismo (o “espírito animal” do empreendedor, como o chamam timidamente) e, desde então, nada surgiu que os domasse. Destruir e queimar é hoje a palavra de ordem das classes dominantes, de fato, em todo o mundo. Todos, não só os jovens agitadores, devem ser responsabilizados. O capitalismo bestial deve ser levado a julgamento por crimes contra a humanidade, tanto quanto por crimes contra a natureza. O artigo é de David Harvey.
David Harvey
“Adolescentes niilistas e bestiais”. Foi como o Daily Mail os apresentou: os jovens enlouquecidos, vindos de todas as vias da vida, que correram pelas ruas sem pensar, atirando desesperadamente tijolos, pedras e garrafas contra os polícias, saqueando aqui, incendiando ali, levando as autoridades a uma também enlouquecida caçada de salve-se quem puder/agarre o que conseguir, enquanto os jovens iam alterando os seus alvos estratégicos, saltando de um para outro.
A palavra “bestial” saltou-me à vista. Lembrou-me que os communards em Paris em 1871 foram mostrados como animais selvagens, como hienas, que mereciam ser (como foram, em vários casos) sumariamente executados, em nome da santidade da propriedade privada, da moralidade, da religião e da família. Mas em seguida a palavra trouxe-me outra associação: Tony Blair atacando os “média bestiais”, depois de ter vivido durante tanto tempo confortavelmente alojado no bolso esquerdo de Rupert Murdoch, até que Murdoch meteu a mão no bolso direito e de lá tirou David Cameron.
Evidentemente haverá o debate histérico de sempre entre os sempre prontos a ver a agitação das ruas como questão de pura, simples e imperdoável criminalidade, e os ansiosos por contextualizar eventos em termos de polícia incompetente; de eterno racismo e injustificada perseguição aos jovens e às minorias; de desemprego em massa entre os jovens; de pauperização incontrolável da sociedade; de uma política autista de austeridade que nada tem a ver com a economia e tudo tem a ver com a perpetuação e a consolidação da riqueza e do poder individuais. Haverá até quem condene o sem sentido e a alienação de tantos trabalhos e empregos e tal desperdício da vida de todos os dias, de tão imenso, mas desigualmente distribuído, potencial para o florescimento humano.
Se tivermos sorte, haverá comissões e relatórios que dirão tudo, outra vez, que já foi dito sobre Brixton e Toxteth nos anos Thatcher. Digo “sorte”, porque os instintos bestiais do atual primeiro-ministro parecem tender mais a mandar usar canhões de água, a convocar a brigada do gás lacrimogêneo e a usar balas revestidas de borracha, ao mesmo tempo em que ele untuosamente pontifica sobre a perda da bússola moral, o declínio da civilidade e a triste deterioração dos valores da família e da disciplina entre os jovens sem lar.
Mas o problema é que vivemos em sociedade na qual o próprio capitalismo se tornou desenfreadamente fera. Políticos-feras mentem nos gastos, banqueiros-feras assaltam a bolsa pública até ao último vintém, altos executivos, operadores de hedge fundse génios do lucro privado saqueiam o mundo dos ricos, empresas de telemóveis e cartões de crédito cobram misteriosas tarifas nas contas de todos, empresas de retalho aumentam os preços, por baixo do chapéu artistas vigaristas e golpistas aplicam os seus golpes até entre os mais altos escalões do mundo corporativo e político.
Uma economia política de saqueio das massas, de práticas predatórias que chegam ao assalto à luz do dia, sempre contra os mais pobres e vulneráveis, os simples e desprotegidos pela lei – isso é hoje a ordem do dia. Alguém ainda crê que seja possível encontrar um capitalista honesto, um banqueiro honesto, um político honesto, um comerciante honesto ou um delegado de polícia honesto? Sim, existem. Mas só como minoria, que todos os demais consideram idiotas. Seja esperto. Passe a mão no lucro fácil. Fraude, roube! A probabilidade de ser apanhado é baixa. E em qualquer caso, há muitos meios para proteger a fortuna pessoal e impedir que seja tocada pelos golpes das corporações.
Tudo isso, dito assim, talvez choque. Muitos de nós não vemos, porque não queremos ver. Claro que nenhum político se atreve a dizer estas coisas e a imprensa só publicaria, se algum dia publicasse, para escarnecer de quem dissesse. Mas acho que todos os que correm pelas ruas agitando a cidade sabem exatamente a que me refiro. Estão fazendo o que todos fazem, embora de modo diferente – mais flagrante, mais visível, nas ruas. O thatcherismo despertou os instintos bestiais do capitalismo (o “espírito animal” do empreendedor, como o chamam timidamente) e, desde então, nada surgiu que os domasse. Destruir e queimar é hoje a palavra de ordem das classes dominantes, de fato, em todo o mundo.
Essa é a nova normalidade sob a qual vivemos. Isso deveria preocupar o presidente do inquérito que rapidamente será nomeado. Todos, não só os jovens agitadores, devem ser responsabilizados. O capitalismo bestial deve ser levado a julgamento por crimes contra a humanidade, tanto quanto por crimes contra a natureza.
Infelizmente, isso é o que os agitadores nem vêem nem exigem. Tudo conspira para nos impedir de ver ou exigir exactamente isso. Por isso o poder político tão facilmente se traveste na roupagem da moralidade e de uma razão repugnante, de modo que ninguém veja a corrupção nua e a irracional estupidez.
Mas há réstias de esperança e luz em todo o mundo. O movimento dos indignados na Espanha e na Grécia, os impulsos revolucionários na América Latina, os movimentos camponeses na Ásia, todos esses começam a ver através da imundície que o capitalismo global, predatório, bestial lançou sobre o mundo. O que ainda falta para que todos vejamos e comecemos a agir? Como se poderá começar tudo outra vez? Que rumo tomar? As respostas não são fáceis. Mas uma coisa já se sabe: só chegaremos às respostas certas, se fizermos as perguntas certas.
(*) Geógrafo, professor emérito do Graduate Center da City University of New York.
(**) Artigo publicado em Counterpunch e disponível também em davidharvey.org, traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu.