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Em defesa de Rafinha Bastos
(Rafinha será tranformado em mártir pela esquerda moralista?)
Uma coisa leva a outra, e agora preciso levar essa polêmica até as últimas consequências. Permitam-me, contudo, exibir uma apólice de seguro de minha opinião: isto é só um debate, não tenho pretensão nenhuma de vir aqui brandir a verdade derradeira e definitiva na cara de ninguém. Pode ser que eu esteja completamente errado. Permitam-me também de vez em quando carregar um pouco nas tintas. Eu me referi, no Twitter, a esse fascismo de classe média, a esse moralismo enfurecido, apoplético, inquisitorial, que se manifesta também com muita força à esquerda. Peço desculpas aos que se sentiram ofendidos. Não chamo ninguém, em particular, de fascista. Acuso apenas esse fascismo etéreo, pairando no ar, essa nuvem de ódio e sectarismo, que tradicionalmente se disfarça de boas intenções.
Como esse moralismo, nas pessoas identificadas com ideologias de esquerda, sente-se constrangido em atacar o governo (deixo a ultra-esquerda de fora porque é insignificante numericamente) que, teoricamente, representa o seu campo, ele extravasa o seu rancor contra outras instâncias de poder. Há inimigos de alto calibre, como a grande imprensa, o vulgo PIG (Partido da Imprensa Golpista). Aí sim temos um gigante perigoso, um verdadeiro quarto poder na República, um poder selvagem, hobbesiano, que precisaria sofrer algum tipo de regulação democrática, para amainar a instabilidade política e as injustiças culturais que ele gera. A própria internet, e especialmente a blogosfera, no entanto, já correspondem um pouco esse monitoramento. Aliás, por isso eu acho que a blogosfera deveria, antes de tudo, investir em si mesma, em sua profissionalização e independência, para não ficar dependendo apenas que uma nova legislação, proposta pelo governo federal, vá resolver o problema. A própria ação dos blogs, se aprimorada, pode muito bem fazer parte do papel que caberia a "Ley dos Medios". Até porque uma Ley dos Medios nunca vai resolver todos os problemas decorrentes da concentração dos meios de comunicação. A big press manterá seu poderio. Talvez tenha que ser mais dissimulada. Será a mesma, contudo. A lei terá que ser feita, até porque a realidade do universo midiático vai sofrer uma revolução. A convergência digital está vindo, e daí só Deus sabe o que irá acontecer. Mas uma coisa a internet mudou de vez. A comunicação social é uma realidade hoje muito mais próxima do cidadão.
Entretanto, esse ódio "santo", e o digo sem ironia, porque ele é o ingrediente necessário a qualquer revolução ou mesmo qualquer mudança, às vezes escolhe um alvo fraco, ou seja, um indivíduo, um cidadão brasileiro. Aí eu acho errado.
Eu acho errado e perigoso essas correntes de ódio, como esse linchamento coletivo de Rafinha Bastos. Querem odiar a grande mídia? Tudo bem, é um adversário à altura. Mas focar esse ódio num jovem humorista?
Você pode não gostar do Rafinha Bastos. Pode achar que ele é um péssimo profissional. Eu também não simpatizo com ele, menos ainda com o CQC. Eu não gosto do Marcelo Tas, porque desde muito tempo entendi que ele é uma figura midiática ligado ao conservadorismo político. Ele dá palestras para a Juventude do DEM, participa de todos os movimentos midiáticos da direita.
Mas ele tem direito de ser assim. Tanto Marcelo Tas como Rafinha Bastos são cidadãos brasileiros que gozam de seus direitos civis e de sua liberdade de expressão, os quais eu defenderia até com a minha vida, se me permitem essa bravata.
No caso específico de Rafinha Bastos, você pode achá-lo um humorista desastroso, nocivo, mas não pode negar que isso é uma opinião sua, e que milhões de brasileiros pensam diferente. O cara foi considerado pelo New York Times como a figura mais influente do mundo no Twitter. Claro que o NY Times tem seus interesses, a sua parcialidade, etc, mas ainda assim é o NY Times. De qualquer forma, mesmo que o NY Times não tivesse dito nada, ainda sim Rafinha Bastos continuaria sendo uma das figuras mais influentes do Twitter, senão no mundo, ao menos no Brasil. Algum talento o cara tem.
Entretanto, Rafinha Bastos não é um gigante da mídia; é apenas um indivíduo. Você pode até achar que ele simboliza isso e aquilo que existe de mal, de preconceituoso, de reacionário, na sociedade, mas ele não é um símbolo. Ele é uma pessoa. A gente já assistiu como essa confusão, entre o que é símbolo ou mito e o que é apenas humano se mostra letal, em geral para o lado humano, visto que o símbolo não morre tão fácil.
Eu fico estupefato ao contemplar a desenvoltura com que as pessoas se arvoram em juízes da opinião pública e acorrem à praça para vociferar e lançar pedras na prostituta da vez. Rafinha Bastos é a Madalena de setores "politizados" da internet. Agora é chique participar de linchamentos?
Daí eu lembro daquelas multidões enfurecidas que se aglomeram em frente aos tribunais, quando temos julgamentos de protagonistas de crimes com grande cobertura midiática, como o casal Nardone. Na internet, temos fenômenos parecidos, mas com uma multidão mais refinada.
Afinal, quais foram os crimes cometidos por Rafinha Bastos?
Vamos elencar e analisar seus dois mais recentes e comentados "crimes":
1) Disse que mulheres feias deveriam agradecer a seus estupradores, porque eles estariam fazendo uma caridade.
Desnecessário dizer que se trata de uma grosseria inominável. Evidentemente, Rafinha jamais teve uma parente que sofreu esse tipo de agressão. Agora, a frase saiu da boca de um humorista, num contexto específico, em que ela se pretendia bem-humorada, ou sarcástica. Acusar Rafinha de pregar o estupro de mulheres, é um absurdo. A escola de piadas grosseiras, aliás, não teve início com Rafinha. Quem não se lembra da infinidade de piadas com leprosos? Na minha vida, já tive a oportunidade de ouvir e repetir dezenas de piadas com leprosos, com judeus, com louras burras. A dos leprosos eram bem engraçadas.
A piada do Rafinha, portanto, inscreve-se na série de piadas de humor negro, e assim deve ser entendida. Pode-se não gostar da piada, pode-se sentir irritado, pode-se até mesmo enviar emails pedindo a sua demissão; mas deve-se tomar muito cuidado para não fazer disso um linchamento. Daqui a pouco um maluco, depois de absorver tanto ódio na internet, agride o humorista fisicamente, e daí estaremos configurando, precisamente, a criação de um movimento fascista.
2) Disse que "comeria" Wanessa Camargo e seu bebê.
Outra grosseria. Mas, a meu ver, de bem menor gravidade. De seu jeito torto, quase bandido, Rafinha fez um elogio à Wanessa Camargo. Disse que ela, mesmo grávida, estava atraente. A circunstância era a mesma do caso interior. Rafinha estava participando de um quadro de humor, sob forte pressão psicológica para falar algo muito engraçado, que justificasse o seu salário de marajá na Band. A intenção dele, obviamente, não era defender o estupro de grávidas e bebês. Fizeram uma tempestade de um copo d'água, sobretudo porque a frase desagradou figuras poderosas. Rafinha é um empregado, pisou na bola e pode ser demitido, não sei, mas não vejo razão para elegê-lo como inimigo público número 1 da sociedade brasileira.
Conclusão: Rafinha cometeu um erro de avaliação, o que mostra que a sua profissão comporta riscos. A Band o contratou para que ele ajudasse a emissora a aumentar a sua audiência. A concorrência dos canais abertos tem sido cada vez mais acirrada. Como fazer frente à Globo? Se fôssemos depender da TV Brasil, me desculpem, a Globo teria 99% do mercado. Eu elogiei muito a ida de Teresa Cruvinel para a TV Brasil, mas, hoje, vendo retrospectivamente o seu trabalho, acho que foi medíocre. Jornalisticamente, a TV Brasil não inovou em nada, fazendo uma cobertura meia-boca, e às vezes beirando a covardia, ao não produzir pautas desafiadoras. Artisticamente, a TV Brasil também se mostrou fraca. A ideia que eu tenho da TV Brasil é que, ao ligar lá num sábado à noite, vou ver um documentário de indios nus da década de 60. Ora, já vi vários documentários de indios nus, não tenho nada contra, mas estou falando de trazer coisas mais vivas, mais estimulantes, mais polêmicas. A proposta de só mostrar filme brasileiro me parece um nacionalismo tosco. Exibe um montão de filme ruim, que pouca gente vê. Tanto filme interessante no mundo! E o cúmulo da incompetência: é o canal com mais problemas de transmissão de imagem. Eu moro na Lapa, ao lado da sede da TV Brasil e não consigo assistir de tão ruim que é qualidade!
Então, a concorrência fica a cargo dos caras do Pânico e do CQC. Que estão conseguindo, com apenas uma fração da verba que a Globo tem, fazer frente a um domínio de quase 40 anos.
Eu não estou aqui para atirar pedra em ninguém. A blogosfera acusa a grande mídia de acusar, julgar, condenar e executar a pena, mas está fazendo a mesma coisa.
Tem muita gente ruim no Brasil. Tem diretor de hospital desviando verba. Tem médico que deixa de atender paciente por pura maldade ou preguiça. Tem corrupção na política, nas empresas, nos jornais. Até mass killer agora já temos, e de crianças! Outro dia fiquei sabendo do golpe que deram no ator Sérgio Brito, um cara que todos admiramos e amamos. Uma coisa horrível. O Brasil contemporâneo é um grande fornecedor de almas para o inferno.
Rafinha Bastos é o menor problema que temos no Brasil. Não gosta dele? Mude o canal. Ignore-o. É besteira querer eliminá-lo. Todo esse clima de linchamento apenas irá transformá-lo em vítima, até mesmo um mártir. E o perigo, como disse em outro post, é colar na esquerda a etiqueta de pseudo-moralista e inimiga da liberdade de expressão. Em nome da democracia, somos obrigados a engolir um rol de figuras estranhas integrando ou apoiando o governo. Não custa nada usar a mesma tolerância com humoristas, sobretudo com aqueles que estão desafiando o monopólio da Globo.