O quadro de violência contra as pessoas que trabalham nas ruas oferecendo serviços de natureza sexual é algo corriqueiro e não vem a lume devido ao preconceito que cerca a atividade; fosse descriminalizada/legalizada, essas pessoas poderiam sair das ruas e trabalharem em ambientes com maior conforto e segurança.
Prostituta, Ana C. gargalhou com a queda de Eduardo Cunha
No momento em que Cunha foi afastado, Ana C. estava na plataforma inferior da Rodoviária, voltando para a quitinete que divide com mais duas colegas de trabalho. Elas se prostituem nas ruas de Brasília e sonham com uma lei que as protejam como cidadãs e mulheres.
Aquela noite tinha sido dificílima para ela. Um carro repleto de jovens a abordou numa das paradas de ônibus da W3 Norte. O carona simulava um encontro. Ana C. se aproximou e, quando discutia detalhes do programa, foi atingida com um tapa no rosto. Em seguida, eles jogaram saco com fezes humanas sobre seu corpo e saíram em disparada.
Ana C. foi socorrida por amigas. Esses jovens barbarizam prostitutas, travestis e michês na noite de Brasília. Jogam ovos, tomates e jato de extintor de incêndio como se não estivessem diante de humanos. Há relatos que já deram surra em profissionais do sexo. Poucas ocorrências são registradas nas delegacias.
................
Perigo da ilegalidade
É assustadora a quantidade de travestis, prostitutas e michês violentados e mortos na noite. Não há uma política de Estado para assisti-los juridicamente, nem desenvolver programas de saúde e controle de DSTs.
.................
O Projeto de Lei, batizado de Gabriela Leite (foto acima), em memória a uma das principais ativistas dos direitos das prostitutas, não tem a mínima chance de ser sequer debatido enquanto a Câmara tiver tomada por parlamentares conservadores e ignorantes. É defendido por meia dúzia de parlamentares humanistas.
Gargalhadas e lágrimas
Ana C. sabe desse detalhe. Por isso, na hora que Eduardo Cunha foi afastado, ela gargalhou em voz alta e agradeceu a Deus. Sim, porque Ana C., minha amiga prostituta, é cristã independente e só não vai aos cultos porque são comandados por homens que vão apontar o dedo para julgá-la.
Como mulher, eleitora e prostituta, Ana C. deseja que os parlamentares percam a soberba e parem de julgar os que, por motivos pessoais e intransferíveis,carregam suas opções sem hipocrisia"
Fresta de luz
No dia em que Cunha caiu, Ana C. seguiu para sua quitinete um pouco mais crente na justiça do homem. Gostaria que o estado brasileiro me tratasse como uma cidadã do Século 21 e não uma pecadora da Idade Média. No fundo, ela sabe que a queda de Eduardo Cunha muda muito pouco essa condição. Mas é sempre uma fresta de luz que se alastra na escuridão.
Confira entrevista com Gabriela Leite
Metrópoles