Começo com um caso interessante, a perseguição contra um livro didático escrito por Mario Schmidt que supostamente seria um panfleto comunista e teria sido criticado primeiro por Ali Kamel da Globo, seguido por outros jornais.
Pra saber sobre o caso acesse os links:
http://observatorio.ultimosegundo.ig.co ... =452JDB009
http://vamboni.blogspot.com/2007/09/res ... hmidt.html
http://psico-historia.blogspot.com/2007 ... rncia.html
http://revistaepoca.globo.com/Revista/E ... 14,00.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mario_Schmidt
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nova_Hist% ... %C3%ADtica
Reproduzo o texto de Adriana Facina, antropóloga, que foi entrevistada pela revista Época sobre o tal livro e observa, no Fazendo Média, como as coisas se desenrolaram:
Leia na íntegra: http://www.fazendomedia.com/facina.htm
O MUNDO AO SEU ALCANCE
(...)Toda essa conversa é para a gente chegar na condenação dos livros de Mario Schmidt por O Globo, Veja e Época. Parece risível que um editor de jornalismo de uma empresa que é tão descaradamente parcial na veiculação da informação denuncie um livro didático de História por ser ideológico. Ali Kamel, além de não ser historiador, é autor de um livro que diz não haver racismo no Brasil (sobre os dados da desigualdade racial no Brasil ver reportagem publicada na Folha de S. Paulo nesta semana com os resultados da pesquisa coordenada pelo pesquisador Marcelo Paixão). Sob sua direção, o Fantástico vem apresentando um quadro, com os jornalistas Pedro Bial e Eduardo Bueno, que trata da história do Brasil como uma sucessão de fatos pitorescos e que apresenta erros bizarros, como a falsa informação de que a Inconfidência Mineira teria sido influenciada pela Revolução Francesa, sendo que ela ocorreu meses antes desta.
Sobre Veja, sem comentários. Panfleto ideológico de péssima qualidade, recentemente recebeu uma descompostura do respeitado jornalista Jon Lee Anderson, veterano de guerra da revista New Yorker sobre o mau jornalismo praticado pela revista quando da sua matéria sobre os 40 anos da morte de Che Guevara. Só a desfaçatez pode explicar como essa produtora de falsificações históricas se arroga de xerife de livros didáticos de História.
Vamos à revista Época. Quando do affair Mario Schmidt, fui entrevistada pelo repórter Nelito Fernandes sobre o livro e seu autor. Quase nada do que falei foi publicado, o que já era esperado. Mas o mais absurdo foi o seguinte: Nelito me fez, de modo, direto, três perguntas. A primeira: “Seu sobrenome se escreve com um c ou dois?”. Respondi: “Um c só”. Segunda: “Você é professora da UFRJ?”. Eu disse: “Não, da UFF”. Terceira: “Você foi aluna do Mario?”. Neguei: “Não, nunca fui sua aluna”. Pois na matéria que saiu na revista eu virei Adriana Faccina com dois cs, professora da UFRJ e ex-aluna de Mario! Se os caras não conseguem ser fiéis nem às verdades mais prosaicas, que dirá quando os temas se complexificam. Pareceu claro a mim que Nelito já tinha uma missão: condenar o livro e seu autor e que minhas informações eram irrelevantes, só serviam para ele mostrar que tinha ido às fontes e não escrito um panfleto saído de sua cabeça ou da pena dos seus editores.
Todos esses veículos, e mais a televisão, atingem milhões de pessoas e estão concentrados em poucas mãos, divulgando aspectos parciais da verdade, quando não mentiras e falsificações deslavadas sem nenhum controle, produzidas sempre do ponto de vista dos vencedores. Aí sim estamos falando de doutrinação muito poderosa, porque diária e cotidiana. Imaginar que dois tempos semanais de aula de história e a leitura de livros didáticos podem fazer frente a isso é uma aberração sem tamanho.
Ao contrário do que dizem seus detratores, os livros de Mario Schmidt dialogam com ampla bibliografia histórica atualizada, trazem documentos históricos importantes e fontes iconográficas excelentes. É um material de ótima qualidade e que não deve ser recolhido de bibliotecas de escolas, a não ser que estejamos falando de censura ideológica, pois se trata de uma obra que se propõe a ser crítica. E é isso que incomoda aqueles que acham que educação não deve ser voltada para estimular o educando a pensar. Como todo livro didático, possui limitações e não é perfeito. Cabe ao professor, em sala de aula, complementar o trabalho com outras linguagens, reflexões e informações.
O pano de fundo dessa história toda diz respeito ao próprio papel da educação no mundo de hoje. Para quê queremos educar nossos filhos? Queremos criar indivíduos conformados com esse mundo que não é bom para ninguém, com exceção dos poderosos, ou desejamos formar seres pensantes, capazes de construir um mundo novo?
Sabemos que a desesperança e a falta de perspectivas de futuro geram consumismo, autodestruição, indiferença em relação ao sofrimento alheio. O conformismo é alimento para comportamentos violentos, para abuso de drogas, para uma existência preocupada somente em predar o presente, extraindo dele cada emoção imediata possível, tentativas de preencher vazios infindáveis.
Livros didáticos críticos são parte de uma concepção de educação que visa não doutrinar os educandos, pois isso os meios de comunicação e o mercado já fazem. Mas sim despertar o senso crítico, ensinar a pensar, a investigar o porquê das coisas. E hoje a escola ainda é um dos poucos espaços de resistência onde isso é possível. A História como disciplina incomoda muito aos poderosos porque ela mostra como nosso mundo chegou ao que é hoje. E se as coisas não foram sempre desse jeito, significa que elas podem ser mudadas. Estamos longe do fim da História.
Entendo a preocupações dos pais com o futuro profissional de seus filhos, e a qualidade do que é ensinado nas escolas e nos livros didáticos é parte disso. Mas não podemos nos deixar chantagear por aqueles que são responsáveis por sentirmos tanta insegurança pelo mundo que nossos filhos vão encontrar pela frente. O mundo que eles estão construindo não é o que queremos para quem amamos. Aqueles que hoje atacam a liberdade de idéias e o espírito crítico são os mesmos que destroem o meio ambiente, aprofundam a desigualdade que gera violência, que defendem um sistema econômico que não garante direitos básicos como emprego, saúde e educação ao seres humanos. Está nas mãos dos jovens de hoje mudarem isso. Se os livros didáticos, os professores e a escola servirem para que sua autoestima como sujeitos históricos ativos seja estimulada, teremos não o fim, mas começo de uma nova história.
Adriana Facina é antropóloga, professora do Departamento de História da UFF, membro do Observatório da Indústria Cultural e autora dos livros Santos e canalhas: uma análise antropológica da obra de Nelson Rodrigues (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2004) e Literatura e sociedade (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2004).