Vamos à contribuição do esclarecido Procurador da República José Adércio Leite Sampaio:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12322
Na contabilidade oficial, foram quatro homicídios praticados pelos PAC entre 1978 e 1979: Antonio Santoro, um carcereiro que, segundo a organização, torturava prisioneiros; um joalheiro, Pierluigi Torreggiani (o pai do Sr. Alberto), e Lino Sabadin, um açougueiro e simpatizante do neofascismo, que haviam matado um integrante dos PAC em ação; além do policial Andrea Campagna, quem realizara as primeiras detenções no caso Torregiani.
Em 1979, Battisti foi condenado a doze anos de prisão pelo crime de "participação em bando armado". Dois anos depois, fugiu da cadeia e do país. No México trocou as armas pelas letras, conforme confessou autobiograficamente. Um câmbio pouco eficaz para a justiça italiana, entretanto.
No apagar daquele agora aparentemente longínquo 1979, escreveu-se um capítulo a mais na chamada "legislação de exceção", iniciada pelo Decreto-Lei n. 99/1974, com a edição do Decreto-Lei de 15/12/1979, que se converteria na "Lei Cossiga" n. 15/1980. O novo diploma criava novos tipos penais de "conspiração política mediante associação" e de "associação para delinquir", autorizando a prisão cautelar e incomunicável dos suspeitos de suas práticas por até 96 horas. Permitia-se, ademais, que a preventiva se alongasse quase indefinidamente (art. 10). Enquanto isso, o artigo 9o previa buscas domiciliares sem mandados judiciais. De quebra, admitia-se a incidência imediata das novas disposições normativas (art.11). [02]
Um Decreto-Lei de 1982, convertido na Lei n. 304 ("Legge sui Pentiti"), previa a "delação premiada", possibilitando a coautores confessos de tais crimes, que prestassem informações sobre a existência e o destino de seus comparsas, a redução de suas penas (arts. 2o e 3o) e, em certas circunstâncias, a exclusão da punibilidade (art.1o). [03] A autorização de julgamento à revelia veio a enfraquecer ainda mais a garantia de ampla defesa, combalida desde a aprovação da "Lei Reale" (n. 152/1975) e da Lei 534/1977, a ponto de despertar a crítica dos defensores da Constituição e das garantias processuais. [04] Sem embargo, a Corte Constitucional foi econômica: "Diante de uma situação de emergência (...), o Parlamento e Governo têm não só o direito e o poder, mas também o preciso e indeclinável dever de agir (provvedere), adotando uma especial legislação de emergência." O que era ainda mais grave, possuíam o direito "di non ritenersi strettamente vincolati alla Costituzione"(Sentenza 15/1982).
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Em 1987, os processos contra Battisti foram retomados à revelia do acusado e levaram à sua condenação simultânea como autor dos homicídios de Torregiani e Campagna, e na qualidade de cúmplice nos assassinatos de Santoro e Sabbadin.
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Confiante na doutrina Mitterand, que acolhera os italianos de esquerda, supostos ou reais autores de atos violentos durante os anos 1970, Battisti resolveu mudar-se para a França em 1990.
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Na Itália, seus processos transitaram em julgado com a sentença de condenação à prisão perpétua com isolamento diurno nos primeiros seis meses.
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O Conselho de Estado francês, em março de 2005, negou o pedido de Cesare no sentido de anular o decreto do Primeiro Ministro, datado de 23 de outubro de 2004, autorizando a sua extradição à Itália. Argumentou-se que a Itália não visava persegui-lo politicamente, tampouco lhe faltara o direito de defesa nas ações penais que correram na justiça italina, uma vez que havia inclusive nomeado advogado para defendê-lo.
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Recorreu ao Ministro da Justiça como lhe facultava a Lei n. 9.474/1997.
Em polêmica decisão e sob pressão de todos os lados (Carla Bruni foi a mais, digamos, branda), o Ministro considerou procedente o pedido de refúgio em 13 de janeiro de 2009. Em seus argumentos, pôs em dúvidas a efetividade do exercício do direito de defesa de Battisti nos processos italianos, referindo-se inclusive ao fato de o advogado que o defendera ter-se valido de procuração falsificada. Também recusou a tese de que não havia indícios de fundado temor de perseguição ao postulante, por fatos e circunstâncias que enumerou em seu despacho, mas principalmente pelo "conteúdo das acusações e das movimentações políticas que ora deram estabilidade, ora movimentação" à persecução criminal contra ele, realizada pela Itália, de acordo com os humores "da situação política" naquele país.
Não em vão. A imprensa européia noticiava, há tempos, a existência de uma organização denominada "Departamento de Estudos Estratégicos Antiterrorismo", em italiano abreviado: DSSA, fundada pelo presidente do partido ultradireitista italiano "Destra Nazionale", Gaetano Saya, e por líderes da União Nacional das Forças Policiais, que, segundo interceptações telefônicas, tinha planos para seqüestrar Cesare Battisti. Era nada mais e nada menos este o título da reportagem do correspondente do "The Independent", na Itália, John Philips, publicada pelo jornal britânico em 5/7/2005: "Mais de 200 policiais italianos ‘funcionaram como uma força paralela antiterror’".
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O Ministro poderia ter falado ainda sobre o atual estado de saúde do escritor, acometido de hepatite B, para realçar seu caráter humanitário. Não o fez. Sua decisão está, juridicamente, incorreta como dizem tantos? Não. Para o direito, basta a validade do ato com a resposta afirmativa dada à pergunta sobre a competência da autoridade que o adotou e sobre o atendimento dos requisitos exigidos, no caso, para o benefício do "refúgio". E esse tal refúgio não se trata de uma invenção brasileira.
Os homicídios supostamente praticados por Battisti, como se vê, tiveram clara motivação política: um carcereiro supostamente torturador, dois paramilitares e um policial.
Foi condenado e preso por participação em assassinato; depois, leis de exceção foram editadas e novos crimes tipificados, rejulgado à revelia, tendo os italianos forjado uma procuração para constituir um advogado de defesa, e condenado a pena muito maior: prisão perpétua com requinte de crueldade (privação de sol). O governo italiano assumiu estar agindo de forma inconstitucional, mas tocou o barco.
Os franceses, sob um governo de esquerda, concederam refúgio a Battisti; sob um governo de direita, negaram-no. Seria possível uma evidência maior de que a questão é política, e não referente a crime comum?
Tarso Genro, que é a autoridade para concessão de refúgio, concedeu-o. Ponto final, na visão do esclarecido Procurador da República José Adércio Leite Sampaio. Ponto final porque a lei determina que a decisão cabia a ele.
Sendo assim, baseado em que o STF entrou na briga?